sexta-feira, 22 de julho de 2011

Mardy Bum - Marco Antonio Bandini

Post sono, gravado há pouco porque eu não conseguia parar de cantar essa música, o dia inteiro. Uma bela canção dos Arctic Monkeys, lançada no álbum de estreia da banda, "Whatever People Say I Am, That's What I'm Not".

Link para escutar/baixar:

Mardy Bum - Marco Antonio Bandini

terça-feira, 12 de julho de 2011

Suck it and See - Marco Bandini

Post sonoro, faixa-título do ótimo album lançado em junho desse ano pelo grupo de Sheffield, UK, Arctic Monkeys.

Link para baixar: Suck it and see - Marco Antonio Bandini

sábado, 15 de janeiro de 2011

Marco Bandini - Três Apitos

Post Sonoro, belíssima canção de Noel Rosa, composta em 1936, idealizada enquanto o poeta via, de dentro de seu Chandler preto, o "Viramundo", Josefina sair do trabalho na fábrica de botões - e não de "pano", como cita na letra, rs.


Marco Bandini - Três Apitos

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Marco Bandini - Pierrot Apaixonado

Post sonoro, Pierrot Apaixonado, 1935, Noel Rosa e Heitor dos Prazeres.



Marco Bandini - Pierrot Apaixonado

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Marco Bandini - Junk

Post sonoro, Paul McCartney, "McCartney", 1970.

Marco Bandini - Junk

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Marco Bandini - Don't think twice, it's alright

Post sonoro gravado há poucos minutos. Capo na 4ª, Bob Dylan, "The Freewheelin' Bob Dylan", 1963.


Marco Bandini - Don't think twice, it's alright

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Marco Bandini - For no one

Post sonoro, Giannini Folk, Paul McCartney, "Revolver", 1966.

Marco Bandini - For no one

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Marco Bandini - Honey Pie

Post sonoro, Giannini Folk, Paul McCartney, "The Beatles", 1968.

Marco Bandini - Honey Pie

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Marco Bandini - Keep me in mind

Post sonoro, Giannini Folk, capo na 1ª, Rodrigo Amarante, "Little Joy", 2008.


Marco Bandini - Keep me in mind

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Marco Bandini - Lembrei

Post sonoro, gravação feita hoje no Giannini Folk, capo na 5ª, Maurício Baia, "Habeas Corpus", 2009.

 Marco Bandini - Lembrei

Marco Bandini - Keep Fishin'

Post sonoro, Weezer, gravação feita há alguns minutos no Giannini Folk, capo na 2ª, Rivers Cuomo, "Maladroit", 2002.

Marco Bandini - Keep Fishin'

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Marco Bandini - Stuck Inside Of Mobile With The Memphis Blues Again

Post sonoro, gravação feita hoje à tarde no Giannini Folk, capo na 2ª, Bob Dylan, "Blonde on Blonde", 1966.



Marco Bandini - Stuck Inside Of Mobile With The Memphis Blues Again

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Inútil correr

Recebera uma mensagem alertando sobre sua posição.
Tratou de sair logo daquele ponto, onde um poste o observava ameaçadoramente.
Ligou para o Roque e logo um edifício lhe escudava o flanco esquerdo; menos exposto, ordenou que dois de seus oficiais montados partissem, liberando o caminho de seus cardeais de confiança rumo ao centro. Alívio.
Enquanto homens comuns vestidos em roupas pretas tembém comuns tombavam frente aos cavaleiros, os cardeais, absortos em fé, planejavam a melhor maneira de vazar a fileira quase intacta de homens absolutamente comuns.
Torres foram derrubadas, cavaleiros e montarias abatidos, homens comuns ao chão. E ele, em suas alvas vestes, permanecia encostado junto à seu último bastião, o edifício.
Com a noite se anunciando, ela apareceu em um vestido branco, desejo nos olhos, a respiração descompassada; ele estendeu-lhe as mãos e cedeu, rei pusilânime que era. Se amaram na urgência daquele encontro: apaixonados, entregues, entorpecidos.
Após o amor, já refestelados, ele tentou trazê-la para si. Ela repeliu seus braços e levantou-se. Confuso, viu que tirava o vestido, e segurava-o, nua. Cuidadosamente, foi virando-o do avesso e vestiu-o novamente. Aquele tecido negro o encheu de um horror de morte, sentiu as pernas fraquejarem e ela se aproximou letalmente.
“Xeque-mate”, ela disse. E tudo escureceu rapidamente, em uma vertigem interminável.

sábado, 27 de março de 2010

Capítulo 4 – Só trabalho e nenhuma diversão fazem de você um grande bobalhão

O banheiro do andar que tem o cinema é o melhor do shopping. Era lá que eu estava quando ouvi a discussão. Toda hora tem alguém discutindo: no ônibus, em casa, na rua, nos botecos; mas a discussão aqui era por causa de uma cobrança. Não ficava claro pra mim, ali dentro da cabine, do que se tratava, mas dava pra perceber a parte do diálogo que cobrava era cada vez mais maiúscula, gritos em caixa alta, o receptor que estava sendo cobrado só tentava amenizar e pedia para que o prazo fosse estendido, mais um dia ou dois, no máximo, e estaria tudo resolvido.
Daí, a frase, eu lembro como se fosse agora mesmo, que disse o cobrador, sílaba por sílaba, como se estivesse numa peça de teatro: “Minha guitarra quer matar a sua mãe”. Depois disso, aquele estampido seco soou três vezes, veio o barulho de pessoa caindo honestamente no chão e som dos passos bem pisados daquele que cobrava forma diminuindo porta afora. Eu só ouvia a respiração débil do sujeito que eu via agora pela fresta embaixo da cabine, foi quando puxei o trinco e abri a porta.
Disse à ele que estava ligando pra polícia, pros bombeiros, qualquer ajuda. Ele protestou e fez sinal para que eu me abaixasse. Como nos filmes, quando você está nas últimas, dizer um segredo a alguém é a última coisa que você faz com o pouco de vida que lhe resta. Foi o que o sujeito fez. Disse exatamente assim: “Murdo MacLeod, duzentos e vinte e dois”. Fechou as aspas e morreu ali deitado no banheiro. Eu era a única pessoa na cena de um crime que acabara de ser cometido, então, era um milagre que ninguém tivesse chegado ainda – isso era estranho – , por isso saí dali o mais rápido possível.
Metros distante do banheiro vi que havia uma confusão, muita gente correndo, bombeiros isolando as Lojas Alabama, pedindo para ninguém entrar em pânico porque o princípio de incêndio fora controlado e estava tudo bem. Era uma coincidência violenta? Um homicídio passar despercebido no banheiro de um shopping por causa de um fogaréu nas Lojas Alabama, isso é inacreditável. E perdi alguns minutos pensando nos dvds que poderiam entrar em liquidação por causa de um estojo meio derretido, deformado pelo calor. Recobrei o juízo, notando que eu havia recebido uma generosa lambida da língua dourada da boa sorte e evacuei à mim mesmo dali. Murdo MacLeod, 222.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Capítulo 3 - Breakfast na Tia Fani

Aquele garoto era tudo para ela. Era muito dedicado nos estudos, prestava atenção em tudo à sua volta, era querido na escola pelos amiguinhos, pelas funcionárias, pelas professoras e pelas amiguinhas, com as quais ainda viria a descobrir tantas coisas novas e maravilhosas que não cabem, infelizmente, neste final de parágrafo.
Agora, falando honestamente, ele era um grande vaselina, que descobriu cedo demais como obter o que quisesse de quem quer que fosse. Acredito que ela sabia disso, mas ele era tudo pra ela mesmo assim, porque ela sua única tia, sua única parente também, sua mãe improvisada, aquela que se esticaria num abismo se o pequeno tivesse de passar, embora sorte dela não contassem muitos penhascos ali no bairro.
Fani realmente não media esforços para agradar o moleque. Sua irmã mais nova, Geni, tivera um caso com um estivador cheio de problemas com o sindicato – e que logo deixou de dar notícias – , e dera à luz na casa de Fani, que ajudou no parto e os abrigou na sala de seu modesto apartamento no Méier, logo ali na Dias da Cruz. Estamos falando da década de 1970, quando não existiam ainda os discos da Xuxa e o garoto escutava os discos – de vinil, cara – da banda favorita de Geni, o Led Zeppelin. Era uma vida bem bacana, embora modesta, que rolava no apartamento de Fani.
No dia nove de dezembro de 1980. Geni não chegou a atravessar a Dias da Cruz. Um polical militar embriagado, de serviço, acertou Geni naquela ensolarada terça-feira . Aquele bichinho parrueta chamado tristeza começaria a roer o tapete, as paredes, o teto e todo o apartamento.
Para o garoto, Geni era a amiga que aparecia no apartamento e transformava tudo em festa, colocava os discos na vitrola, tomava-o pelos braços para dançar. Os demais papéis cotidianos de mãe eram assumidos com zelo e gosto por Fani, que sequer repreendia a irmã por seus deslizes, como aparecer em casa junto com o sol, depois das madrugadas de bebedeiras e trepadas intermináveis.
Já adolescente, guardou seu luto com o silêncio e com os discos que herdara dela e, na semana mais difícil depois daquilo, estreitou contato com um elemento que transformaria sua vida de modo completamente technicolor: a televisão.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Capítulo 2 - Plano Nove do Cagaço Sideral

O faminto se agarrava nos braços de sua poltrona, como se algo tentasse removê-lo dali. O psicopata se curvou num gesto para que o famélico se aproximasse mais. O sujeito magro ofereceu uma de suas magras orelhas à escuta e se manteve impassível enquanto o outro dizia, despertando uma violenta e vermelha e insuportável curiosidade no trio, que se enterrava mais no sofá. O da cara ossuda assentiu e voltou ao encosto da poltrona como se tivesse concluído uma cagada das mais difíceis, dedos trançados sobre o ventre tranquilo e, provavelmente, vazio. Segundos desta última linha, o trio começou a confabular entre si , para retrucar o segredo que existia agora entre seus concorrentes. Nova iniciativa de conversa do psicopata:

Vocês tão doido pra saber, né?

Como se fossem, em carne humana, os próprios Heitor, Prático e o outro porquinho, o da residência de madeira – cujo nome não me recordo agora –, concordaram balançando a cabeça exageradamente, pois estavam prestes a ganhar algo tão saboroso quanto cebolas douradinhas e queijo fundido quentinho com trezentos gramas de carne mal-passada, minha nossa, isso é uma maravilha.


- Olha só, o esquema é esse aqui, não é um plano, como esse mal-informado colocou no título, besteira que ele fez, tudo bem, é um ESQUEMA, porque eu digo que é, e quem pensou nisso fui eu, e não ele, e você prestem atenção, eu estou só AVISANDO sobre o esquema, é algo inevitável, ninguém aqui precisa concordar com nada, vamos chamar de Plano Nove esse comunicado.

O trio cagou nas calças com a fala do psicopata, ao passo que o ossudo permaneceu tão ossudo e tão tranquilo quanto antes, até porque já sabia do que se tratava. A luz vermelha, acompanhada de uma campainha rouca de tanto fumar, se fizeram presentes e os cinco levataram-se todos, agora coniventes com tudo que esquematizara, como só poderia assim ser, o psicopata.

terça-feira, 16 de março de 2010

Capítulo 1 - Show de Horrores

Entraria no ar em cinco minutos. Os candidatos estavam esperando em uma sala anexa com uma lâmpada vermelha que acenderia quando chegasse a hora de ir para o estúdio principal. Era constrangedor demais para alguns deles se submeter à aprovação prévia de um concorrente, mas para ter de se submeter àquilo não muitas inibições. Estou contando desse dia porque já valeria à pena se cada um destes cinco sujeitos tivesse ido sozinho. Os olhares se cruzavam por cima da mesinha de centro. Haviam duas poltronas e um sofá de três lugares. No primeiro assento, um sujeito que você vê na fila do banco, no estádio, lendo Dan Brown no ônibus, ou melhor, você não vê, mal notaria a presença dele não estivesse ele aqui. Usava uma blusa abotoada até o mais alto botão, um psicopata. Na poltrona oposta, o sujeito da cara ossuda, os olhos arregalados excessivamente examinavam todos os seus colegas. Tinha a barba por fazer e parecia estar faminto, por qualquer coisa, ar, comida, sexo, diversão, sangue. Usava um macacão de mecânico e tinha olheiras de quem tinha sono retido desde a vida mais recente antes dessa.
No sofá, um trio: cada um usava cores diferentes em algo que parecia muito ser um uniforme, apertado demais, por sinal. Eram eles vermelho, azul e verde, para efeito nominal, já que o crachá chegava depois da luz vermelha aparecer.
O psicopata fez um rasgo obtuso no silêncio solene que se esgueirava até os cantos da sala.

- Vocês três são irmãos?
- Não, disse o azul, secamente, afundando o olhar no carpete, sinal esse de que era o fim do diálogo.


O psicopata queria conversar. E não é porque era doido que conversaria sozinho.


(continua)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Cháchá, voando baixo

Chachá ajeitou os cabelos num penteado aerodinâmico que deixava os fios todos correndo para trás. Era envergado por um smoking preto alugado por ele mesmo em pessoa na tinturaria do Chino. Chachá acabara de ser promovido à mestre-de-cerimônias-mirabolantes e esta seria sua primeira apresentação em seu novo cargo. Os maiores executivos da empresa estariam no evento; em sua maioria – e eram a minoria, quatro apenas – sessentões com seus ventres provincianos esticados e reluzentes, tantas e tamanhas eram as iguarias que eles confrontavam em seus pratos, diariamente. Chachá contava com mais profunda e devotada admiração de cada um de seus superiores, e tratava com muito afinco de preservar essa estima que lhe era dedicada. Não podemos dizer que Chachá estrapolava ao direcionar, sem medida alguma de intensidade, suas opiniões mais afetuosas sempre alinhadas com perfeição às frases que os sexagenários cheios do tutu arrotavam. Seria desumano se empregássemos o termo “bajular” à estas constantes atitudes de bom tom social que Chachá desfilava com maestria. Sendo assim, imerso na sua própria piscininha portátil de auto-confiança e armado com lisonjas afiadas que deixariam os testículos de um urso lisos como o calvo crânio de Mr. Majestade, o mais calvo dos ricos velhinhos calvos.
E Chachá brilhou naquela noite: disse tudo que pretendia com desenvoltura, saiu do script e agradou, improvisou e arrancou aplausos, enfim, incendiou todos os presentes com suas habilidades retóricas e desceu ovacionado por cada convidado, garçom e tias da cozinha. Acenava, respirava cada cêntimo daquela adoração sincera, que, em termos gerais foi bem sincera sim, sem reclamações quanto à isso.
Madrugada já se insinuando, taças pela metade cochilando na beirada das mesas e Chachá guiando pra bem longe dali, olhos pregados nas curvas e nas ultrapassagens, mas sem deixar de sonhar com a vida que ele sabe que não tem.
Corra, Chachá.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Alphonse e o Príncipe

O Alto-Príncipe da Mata-Alhures tinha sérias questões com aquele rapaz do reino ao lado, Perobas. Claro, ele tinha sua própria autonomia, não lhe devia coisa alguma sequer, somente respeito enquanto membro-colega do Grão-Clube de Artes com Cartas de Baralho. Somente isso. Mas fora justamente ele, aquele que atravessara seus planos ano atrás, o merecedor da alcunha de grande gatuno. Por trás de seus olhos injetados, não conseguia se conformar, não podia, não devia. Cultivava-se, naqueles tempos, o hábito real de casar-se com duas mulheres simultaneamente, bastando apenas que dois termos deste trinômio estivessem satisfeitos com o acordo. A parte vencida era solenemente absorvida, assim era por muitos anos e não haveria de não ser agora.
Alphonse, devoto que era de Saint James Stewart, apertou a medalha contra o peito e investiu contra o patrimônio do príncipe. Era uma bravata estúpida. O herdeiro de Mata-Alhures estabelecia então uma poderosa ligação com o reino além, Buonocuore. Mas a donzela dava respaldo à investida daquele desajeitado Alphonse e logo se esquivava da aliança com os Mata-Alhures. A ira do príncipe não era daquelas que se desfere às claras. Era uma ira fria e dissolvida em pequenos embates camuflados. Mas, se lhe sobravam cavalos, faltava-lhe espírito; se lhe era bem talhada a língua para bajular, era fraca quando tentava engrandecer feitos ocos que dizia ter realizado em suas poucas andanças por este mundo que dá tudo a quem sabe buscar.
Não se sabe como essa história acabou, mas parece que o Príncipe teve uma vida abastada em sua vida monogâmica, com muitos bens e poucas preocupações. Mas deparou-se com um grande problema quando do nascimento do novo príncipe, seu filho, quando há muito já dera a si mesmo já como um rei: não supria a curiosidade de seu rebento por histórias que (não) vivera, e contava, com a mais amarga das paciências, os feitos daquele que tanto desprezava, o subestimado Alphonse, que ia longe, muito longe dali há tempos, buscando novas histórias, que sempre adoçavam os sonhos do filho do então poderoso Rei de Mata-Alhures.

Fim.

Shurulim

- Já está de volta, muito bem. Levou ela?
- Ela quem?
- Se eu tiver que te lembrar, vai ser desagradável. Pra você, claro.
- Ah, eu não acredito; ela ficou aqui.
- Ela está oito minutos atrasada, contando com esse instante, e mais esse, enfim, piorando.
- Estou indo, agora mesmo.

Estava no vinte e seis, entrava em uma espiral de centenas de metros, descendo agarrado à ela, claro. Meus pés mal tocavam os degraus, que eram muito mais de trinta e nove. Talvez trinta e nove mil, mas esqueci de contar, espero que ele não me cobre essa conta. Ela não falava nada. Vinte, dezesseis, treze, quatro. Nem reagia. Me deixava levá-la, como eu quisesse. Se você aí pensou em atirá-la daqui, eu pensei enquanto ainda estava na sala, com ele.

Encontrei com o monstro (Ednan) no lugar de destino e quase a joguei aos seus pés. Nem ela nem ele entenderam aquilo. Mas só ele me olhava com espanto. Ela não tinha expressão alguma. Girava, quando muito, e só.

Voltei como um farrapo, exausto. Ele tentou ser amistoso. Perguntou até da rodada de domingo do campeonato. Aos seis minutos desta cena, não consegui conter.

“Porra, descer vinte e seis andares, atravessar a Assembleia, cruzar a Rio Branco ali perto da São José, margeando a Melvin Jones até o shopping no Menezes Cortes, com uma CADEIRA?”

Ele disse "Shurulim" e saiu pra almoçar. Eu saí em seguida. E não voltei mais.

Mora aonde?

Lá estava eu, e mal sabia ele, e lá estava ele. Sob a minha mira, liquidado, sem protesto.
Meu rosto vincado pelo sol tornava-se opaco, aquela era sua bala, não minha, eu era um coadjuvante do braço gigantesco do devir, que devia estar embriagado quando resolveu vir.
Eu lhe deixei ter aquela bala pouco abaixo do lóbulo da orelha esquerda, cujo sangue suas mãos tentaram reter em vão.
Não era felicidade, era a obrigação.
Ele ouviu a sinfonia para saxofones, as canções mais douradas tocaram-lhe o rosto quando tombou ao chão e os olhos puderam tocar a superfície celeste.
Não houve aquilo de ver a vida toda num instante, teve um ou dois, no máximo três pensamentos corriqueiros: ela, a casa e o cachorro.
Só estranhou porque demorava pra deixar o corpo ali.
Ora, era eu.
Ora, era tudo aquilo ali pra dizer que eu discordava.
De mim.
Saímos dali dissonantes, eu ferido de morte enquanto aquele que não havia reconhecido.
Logo era eu de novo, me valendo de Gideão;
“É um longo caminho”, foi o que escutei dizer.
Já estava ali, segui.

Post Sonoro - Perdido

O escriba que vos fala e uma composição sua datada de 2005, gravada, arranjada e executada pela banda nacional Rua17.

http://www.rapidshare.com/files/331332844/Rua_17_-_Perdido.mp3

sábado, 19 de dezembro de 2009

Texto para trilha em Mi Maior

Cantar "Fluorescent Adolescent" e tocar a guitarra-base com o capotraste na quarta casa.

Desenhar o Keith Richards tentando captar o máximo de sua expressão através de um olhar criativo e simples, deixando debaixo de você um mar de insegurança, dúvida e desconfiança da mesma mão que te trará a redenção e o alívio.

Escutar "Adlai Stevenson" no ônibus, com o sol te fazendo franzir os olhos, emoldurando a cidade toda daquela janela.

Ser um zagueiro mediano do time dos moleques da sua rua e fazer um gol, mesmo que impedido, numa subida ao ataque.

Saber que é ela, mesmo não sabendo admiti-lo.

Reunir todos os seus maiores amigos, inclusive os dois ou três que não se falam - por motivos estúpidos - na escalação do mesmo time, justamente aquele preto-e-branco da estrela no peito que é um grande amor, antigo.

Ver quem se ama dormindo ainda.

Cantar Cartola cercado por azulejos.

Amanhecer em Bonsucesso, em Brás de Pina, na Penha, na Praça Seca, em Vila Valqueire, em São Cristóvão, no Paraná e num buraco bem esquisito na Lapa.

Assistir "Pergunte ao Pó" seis vezes não-consecutivas. E chorar em todos os finais.

Limpar os ouvidos com uma especialista e ver o que acontece.

Ser respeitado pelo craque do jogo, dono da bola, juiz, etc, por conta das suas belas jogadas.

Ser aprovado.

Bancar as próprias maluquices quando não se tem crédito para loucura alguma sequer.

Ganhar uma belíssima comemoração do vigésimo-sexto verão.

Tem certos dias que eu chamo isso tudo aí de felicidade.

Três dias

Dali, onde
Eu esperava
outro dia,
feito um parêntese,
Ela repartiu:
a pele,
o tempo,
em dois.
de mim só
ficou
suspenso aquele:
vindo de
nunca,
o abismo da vertigem
que ela me dá.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Nada que me preocupasse além do justo

Eu estava lá para resgatá-la. Confirmara o depósito logo nas primeiras horas da manhã, quando do despertar da agência bancária. O caminho estava brutalmente obstruído. Dali de onde eu via o campo de ação, tudo acontecia em um desenrolar estúpido, como se o Glenn Miller aparecesse levando a guitarra-base dos Arctic Monkeys numa versão pós-moderninha de "In the mood". Isso é só um exemplo, cuidado. Entenda o meu lado também, não é estranho ver leões-de-chácara andando somente em diagonal? Brutamontes de quase três metros se esgueirando por aquele jardim nababesco ora pra frente/trás, ora pros lados, nunca descrevendo diagonais. O Barão já havia providenciado o rock. Eu captava bem. Torneios de boxe entre o Hank, Hem, Malloy, LaMotta e o Norman Mailer só dando pitacos, pra comprovar sua macheza, mesmo sem desferir um soco sequer em algum dos seus convivas. O Kerouac reaça e o Ti-Jean iluminado e vagabundo discutiam telepaticamente debaixo dos uivos do Ginsberg e das baratas do Bill Burroughs. Samsa era uma dessas baratas, mas é segredo. Mr. Deeds planejava me emprestar uma grana, ao passo que eu o admitiria para que se juntasse ao conjunto musical contido em "Confissões de uma estrela do Rock N' Roll". Marcelo Camelo era o ourives das melodias e realmente, bebia muito pouca água. Zé Rubem divertia-se trando fotos de si mesmo com um telefone celular, além de marcar o compasso de "Party in the USA" com o pé direito.
Amanheceu uma entusiasmada Telecaster dourada de espelho branco, e todos paravam para escutar "Onde tudo parou" com reverência nada nada nada fingida, coisa sincera, bonita mesmo.


Eu tinha tudo que precisava ali mesmo. Fora resgatá-la e voltei para casa sob suas asas. Assim é a vida. E assim ela não é também, em alguns dias.

Nada que me preocupasse além do justo.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Fila de banco

Fila do banco. Sem senhas para atendimento. Segurança plantado feito coqueiro de praia examinando os assaltantes em potencial na fila. Mal sabe ele da Uzi novinha, em fibra de carbono, desmontável, que trago na mochila. Mentira, trago nada. Fica sempre em casa. Minha vez.

- Boa tarde. Tudo bom?
- Tudo. Pois não?
- Meu salário. Não consigo pegá-lo.
- Mas por quê? Se o seu cartão magnético estiver ruim, o senhor deve se dirigir à sua agência para solicitar outro.
- Eu não sei dirigir. Eu não tenho agência. Quero o meu salário, só isso.
- Senhor, estou lhe explicando (impaciente) que se o problema for (enfática) no seu cartão magnético (abrandou), o senhor deve ir à agência onde abriu a conta.
- Bom, é melhor que você tente, estou me sentindo diante daquelas máquinas que têm uma garra metálica de pegar bichos de pelúcia, sabe? Tenta você pegar pra mim. O salário. Olha o cartão aqui, ó. - estendi-lhe o cartão.

Pausa pra ela verificar minha conta, minha foto, meu orkut, meu twitter, o que ela quiser. Tenho um blog também, moça. Ah, isso ela não ouviu. Droga.

- Senhor, seu saldo no momento é de quinze centavos (riso contido, muito mal contido).
- Viu só? Nada de salário.
- Senhor, verifique com o departamento pessoal de sua empresa.
- Não tem empresa. Nem departamento. Só eu.
- Próximo!

Sob protestos violentos de toda a fila atrás de mim, eu retomava. Mas agora fui com tudo, procurei uma única frase que expurgasse tudo de Randle McMurphy, Stan Kowalski, Jack Gites, Jack Torrance e até algum pouquíssimo Terry Malloy que havia em minha alma.

- PRETENDO SAIR DAQUI COM O MEU SALÁRIO, ENTENDEU, MOCINHA?

Ela pareceu ter sentido a frase para muito além daquelas palavras. Tirou o óculos, me encarou firme e gritou “tô saindo pro almoço” sem tirar os olhos de mim e pulou o balcão do guichê três. Me puxou pelo antebraço e me levou até a porta giratória, por onde passou primeiro e me esperou passar, atentamente. Lá fora, sinalizou com a cabeça para que eu entrasse em um Fiat Uno 1998 vinho, duas portas, IPVA atrasado, revisão ok e estofado encardido. Assim que pus o cinto, ela deu a partida.
E fomos embora. Sigo sem saber pra onde ela me leva. Tudo vai sumindo no retrovisor: trevo, estrada, rua, alameda, ponte, estrada de novo, céu, ilha, prédio, ladrões, bicicletas. Eu estava com trezentas e setenta e oito pratas em moedas guardadas na minha mochila, e a vida mal começara a rodar de verdade. A gente estava na Dutra quando tocou “I get around” no rádio. Em seguida, Santo & Johnny, fantástico. Nunca antes havia sido tão bom viver.

domingo, 29 de novembro de 2009

Tocando Tuba

"E àquele que
possuir o coração
puro
e vier ter
com o túmulo
do General Ulysses Grant
por gratidão e altruísmo,
eu delego
Justiça luminosa
ante às trevas das iniquidades,
Mr. Deeds"

Caricatura

Eu estava lá para ver o Nilcom, novamente. Pela terceira vez, se me falhar a conta alguém vai me avisar, eu acho. Muita gente ia ver o Nilcom, motivo pelo qual eu ainda ia esperar mais algumas quatro ou cinco revistas sobre gente famosa, todas com pelo menos um ano de delay em relação aos últimos acontecimentos. Quanto casamentos cabem em trezentos e poucos dias? Se você for o Márvio Júnior, uns três pelo menos. A secretária do Nilcom era bacana. Olhava torto pra todo mundo, mas era próprio da feição dela isso aí de olhar torto. Há quem ache charmoso, eu não acho absolutamente nada. Reconferi mentalmente se havia levado tudo que era preciso para a audiência com o Nilcom: dois contos, uma poesia, uma caricatura maledicente e um pedaço de queijo curado.
Um parênteses sobre caricatura.Na oitava série, chegou na turma um garoto vindo de São Paulo. Para se inserir entre os demais, era preciso ser completamente obcecado por futebol, saber as escalações médias dos times da primeira divisão do nacional e, principalmente, demonstrar desenvoltura nas peladas, isso sim diria qual era sua posição na hierarquia daquele bando. O paulista era corinthiano e demostrava bons conhecimentos sobre o jogo. Eu sabia muitas escalações, mas desperdiçara muitas chances de ascender socialmente na turma, ou seja, era um pereba. Em suma, depois da caricatura do professor Kropf, todo mundo me requisitava um desenho maledicente. E eu resolvi atender quando me encomendaram um do paulista. Fiz umas orelhas ignorantemente exageradas e concluí com a pinta que ele tinha no nariz. Parecia um rastilho de pólvora. Uma gargalhada puxando a outra, foi amontoando gente. Senti uma pontada na tripa quando o próprio retratado foi tomar parte na aglomeração. "Que é isso aê, meu?". Ele pegou o papel e lá estava, um paulista olhando pro outro, não sei dizer qual dos dois ficou mais puto. O paulista real ficou mais vermelho, isso é verdade. Não faltou quem apontasse o autor do cartum, vários dedos em riste, dizendo "foi ele ali, ó" pra mim.
O paulista me encarou, forçando bastante o lábio superior pra cima, como se com o queixo esticado ele dissesse "vou arrebentar sua cara, que aí você fica sem desenhar as orelhas dos outros desse tamanho por um bom tempo". Comecei a calcular, instantaneamente, a eminência de um confronto pós-aula. Ele era bem franzino, mas tão alto quanto eu, e tínhamos as mesmas proporções fisicamente. Mas a motivação dele pra me arrebentar era maior que a minha para dar uns socos nele. Muito maior. Maior que as orelhas dele, inclusive.
"E aí, paulista?", "Vai deixar barato?", "Quebra ele!". Era muito apropriado que ele ficasse com vontade de bater em alguém com tanta gente estimulando seus instintos vis. Era muito apropriado também que eu não apanhasse do novato, já que não era tecnicamente um craque da bola e seria parte da ralé da ralé dos perebas se perdesse uma briga. Mas o paulista me deu uma rasteira da qual eu sequer conseguiria prever ou me defender. Ele encarou o papel novamente, expressão cerrada ainda e, num pedaço pequeno de instante, serenou-se e me encarou como se eu fosse tão corintiano e paulista como ele e me disse: "Eu perdôo ele. Ficou parecido".
Seria melhor se tivesse me dado um soco na cara, assim eu poderia me defender à altura. Quis mastigar o desenho. Diminuí tanto que não conseguiria escalar o rodapé da sala sem uma corda.
Quando me libertei dessa digressão, desse pensamento parênteses, o próprio Nilcom se dirigia à mim, dizendo com sua austera calma: "pode ir se mandando, terminamos por hoje". Antes que eu pensasse em protestar, já estava no elevador. Quando a porta se abriu uns 3 andares abaixo, adivinha quem entrou, inexorável, na cabine?
Ninguém. O corredor estava vazio.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Dois solitários entre milhões dos seus

- Oi. Você não estava na mesma leva que eu?
- Oi. Eu tava sim, umas duas filas antes da sua.
- Já estamos quase expirando. Algo em mente?
- Não há muito que possamos fazer nessas horas. Só esperar.

E era inflexivelmente dessa maneira. Mal tinham tempo de estabelecer uma medida que fosse de prosa e já se fazia lembrar a hora em que fatalmente sucumbiriam. E nem mesmo a raridade daquele instante tão singular emprestava dramaticidade ou melancolia à cena. Simplesmente era assim que haveria de ser, sem mais. Ainda tiveram tempo de mencionar:

- Sabe, eu pensei que realmente era o momento da Grande Jornada.
- Todos pensam que é, amigão, não fique desapontado.
- Você sabe, a certeza de ser O Escolhido é algo maravilhoso, não acha?
- Sou mais cético que você, meu chapa. Corro por fora, sempre. E deixo que os azarões otimistas demais se estrepem pelo caminho.
- É um esquema onde não há nem como guardar experiência. Sem chance além, vence o melhor, predestinado, O Escolhido, como quiser chamar. Quando partimos, só um lugar importa.
- Se ainda houvesse um jeito, um só que fosse, de saber quando não vai dar em nada, milhões poderiam se salvar. Pense nisso, milhões, cara.
- Mas não é assim que funciona, quando chegamos aqui tudo já era exatamente como é.
- Verdade. Estou sentindo muito sono. Onde estamos?
- Provavelmente em algum encanamento. Dorme, cara, é melhor assim. Também estou indo nessa.

Fechou o registro e enxugou-se. Podia ir dormir tranquilo agora.


terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ao Zé R.

Mario Cherubino na Antero de Quental olhando para as janelas dos prédios debruçados todos em volta da praça. Olhou para as árvores todas, muitas vezes, em especial aquela que recebera cuidados especiais do José. Não era um dendrólatra como ele, mas lhe agradava a presença das árvores ao redor. Plateia muda que só chiava quando o vento corria. E o que ele acharia? Evocaria mentalmente o Schiller, na certa.

Mario sentado ali na praça, em meio à tantos oceanos, deslizando tectonicamente o pensamento por tantas ruas do centro do Rio de Janeiro que andou conforme citado por José, em seus contos.
Cada linha escrita pelo Zé R. fora devorada dentro daqueles dez minutos em meio à escuridão daqueles mapas que não o levavam para lugar algum, inúmeros logradouros de Ubá, Montes Claros, e outras cidades mineiras cujas praças, residências, igrejas e vielas ele percorria do alto, inserindo dados, acompanhando curvas, quadras, distante das lágrimas no portão, das risadas no boteco com mesa de sinuca de tecido rasgado, do aroma do alho dourando; tudo isso acontecia em uma dimensão alheia à todos aqueles traços impessoais que ele desenhava sem nunca deixar de sentir a si mesmo como um impostor.
Foi para lá como Roque também fora um dia, não para balear seu rival nas pernas por causa de uma mulher, mas para confrontá-lo, diretamente, ele, o Cobrador. Foi quando o interpelou.

- Zé?
- Hum? - virando-se bruscamente
- Sou o Cherubino. Mario Cherubino, lembre bem. Precisava encontrar o senhor pra lhe entregar isto aqui – estendendo-lhe um envelope pardo.
- Você é um Hamsun pedindo orientação para seus escritos? Me desculpe, mas já imagino que o que tem aí dentro são excrementos, não prestam para nada. Se fossem realmente bons, não precisariam da minha opinião. Até mais ver – e já ia firme no sentido oposto, abreviando a conversa.

Mario permaneceu ali. Olhando fixamente pra lugar nenhum. Logo em seguida, depositou o envelope ao pé da jovem árvore adotada pelo Zé e sumiu dali. O metrô manobrou para partir. Não havia nada escrito naquelas páginas. Absolutamente brancas. Mas agora o vegetal adolescente estava apavorado com aquela amostra tão próxima de seu futuro mais pardo: tornar-se um sulfite branquinho esquartejado em folhas tamanho A4. Seu horror seria tanto, que logo o José interviria para confortar-lhe. E lembraria do envelope que recusara. E acharia meu nome em sua memória. Em questão de segundos se aproximaria do meu blogue. E seria feito prisioneiro injustamente em um conto absurdo, dançando e cantando à contragosto no realejo de palavras dissonantes de Mario Cherubino, estando inclusive à mercê do teto incerto de batalhar por um papel num conto, talvez no revés de acordar ali no Armazém Nove.

Foi mal, Will, releva

Era um dia igual à ontem. Digo isso porque ontem foi igual à anteontem, e assim continuou regressivamente até chegar no dia em que comecei essa rotina massacrante de ir e voltar. Pensei em voltar tantas vezes. Em ir ali e não voltar mais outras muitas vezes. Nem os vinte e seis andares em queda espiral com uma cadeira que deveria estar em outro lugar. Nem a nota que ficou no balcão.

Havia uma caixa com cinco discos de vinil do Nelson Gonçalves. Eu deveria ajudar o office-boy a conseguir algum dinheiro naquilo, afinal, era eu quem circulava por entre aquelas lojas de discos velhos, obsoletos, mal-vestidos, aqueles biscoitos de piche que gritavam sons doídos quando arranhados no lugar certo.

Não ofereciam mais que cinco pratas. Uma ofensa pra ele, que esperava descolar uma bela e dengosa onça marrom naquele material fonográfico nada extinto. Fomos em duas lojas na Sete de Setembro e em outra na Senhor dos Passos. Todas possuíam ao menos três coletâneas como essa que levamos. Já na Luís de Camões, cada disco pesava uns dez quilos.

Ele me contou que seu padrasto tinha deixado os discos pra trás quando saiu de casa. Meu pai tinha essa coletânea. Todos tinham. Grana certa vendê-la. Raridade. Peso morto. Elefante preto sulcado. Cinco, na verdade.

Tomei-os dele e o convenci que eram perda de tempo. Entreguei o estojo com os elepês ao primeiro bebum que vi na escadaria do IFCS. O bebum achou ser realmente um grande presente, mesmo não aparentando ter uma vitrola que coçasse os sulcos que ressoariam barítonos sobre a vida que era um palco iluminado.

Voltamos gargalhando daquela hora de almoço perdida com uns discos que não valiam nada.

Mas o tempo cuida de mudar valores, rumos, costumes, papéis, pessoas.

Pois é. Aquela coletânea atualmente está avaliada em cerca de duzentas e cinquenta pratas.

Will, acho que o bebum não mora mais lá. Mas espero que você o encontre um dia desses.


E espero mais ainda que você nunca chegue nem perto de ler isso aqui.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A Anita Ekberg da Batalha

Lá estava ela,
no Largo
Diante de um Império.
Só eu
sabia
que ela se banhava.

14 de Outubro





Dias esquisitos. Ônibus esquisitos. Vinte pratas. Precisava receber o troco antes que o próximo sujeito na roleta passasse por mim, porque só haviam dois lugares no ônibus: um no corredor e outro naqueles bancos de trás, que seriam meu plano “b”. Pois não faltou agilidade e presteza ao cara da camisa azul-clara, ele me deu o troco no tempo certo, mas errou o cálculo do alvo. As notas estavam na minha mão, as moedas, espalhadas no chão. “Desculpa aí, cara, me desculpe mesmo”, me disse ele. Não havia o que desculpar, uma besteira à toa. Abaixando pra pegar as moedas, dei passagem para que pegassem o lugar no corredor; ao me erguer novamente, era já ocupado o lugar nos bancos atrás do trocador. Um moleque de uns onze anos sentado no começo do corredor olhou pra minha cara e pareceu dizer que eu era um babaca diplomado por causa do evento das moedas. Óbvio que aquilo era uma forma estúpida que eu dizia pra mim mesmo o quanto eu estava me sentindo idiota. Por isso tratei de providenciar a trilha sonora, segundo dia da programação de ontem, que continha Giant Sand, Ryan Adams, Grizzly Bear, Camera Obscura, Of Montreal, Sufjan Stevens e algumas músicas do “I'm not there”.
Nenhuma música aderia. Até mesmo “X-tra Wide”, do Giant Sand, que funcionara maravilhosamente na primeira audição, hoje soava apenas um amontoado de acordes, notas graves passando sem alarde algum, como o metrô faz todo dia da Uruguaiana até a Carioca. Passei direto pelo Ryan Adams e pelo Grizzly Bear também. Camera Obscura emplacou uma: “Away with murder”. As que tiveram algum sentido foram “As I went out one morning” e “The lonesome death of Hattie Carroll”. Emborquei num sono desconfortável, de ônibus cheio e interrupções de paradas intermitentes, luzes mal-criadas, essas coisas das cinco horas. A orquestra tocava as peças do Sufjan e o sono mostrava o poço e todos os pensamentos convergindo para seu desconhecido fundo. Vez ou outra vazavam pela janela uns fragmentos do bronze que escapava do sol. Contornos épicos a cena ganhava. Me doeu ver o surdo-mudo entrar, distribuir seus pequenos papéis e voltar recolhendo um por um, sem qualquer moeda ou nota junto. Eu ouvia “Crying Lightining” então, uma irritação tácita e sub-reptícia estava dando as cartas. Disparidades. Pertencimento. Rumo. Escolhas. Parecia deslocado na festa. Na casa errada. Na hora errada. Porta errada. Eu errado. Onde é que eu fui me esquecer?

sábado, 3 de outubro de 2009

Futebol no Sonho

Começou assim: eu estava atrasado. Isso acontece um bocado por aqui. Eu precisava ir defender o time de futebol da faculdade. Não lembro qual era o nome da instituição nem o curso que fazia, mas eu estava feliz ao ponto de não esquentar com isso. Aliás, com nada mais além do jogo. Era uma tarde bacana, cheia de sombras de prédios, como a gente vê nos pátios dos prédios em Laranjeiras, Flamengo, Botafogo; aquele vento bacana que circula onde o sol quase não bate, cheiro limpo de saguão de prédio, matiz de madeira e algum outro cheiro bom artificial que se compra no supermercado. Mas eu estava atrasado. E fico aqui descrevendo o prédio onde eu morava (sim, nos sonhos a gente sabe que MORA lá, simplesmente sabe e pronto, uma pequena certeza prévia e absoluta), deixa isso pra lá, você já sabe que eu morava num lugar dos bons.
Cheguei no local do jogo e os caras estavam todos lá, nunca tinha visto aqueles pilantras, mas sabia que eram meus melhores amigos há alguns bons anos. Eles falaram pra eu me aprontar logo, logo começaria o jogo. Então segui pro vestiário e coloquei o uniforme, uma blusa branca com gola vermelha em “vê”, como a maioria das camisas de futebol dos anos milnovecentosesetenta, por aí, com um calção vermelho, o meião branco, a chuteira azul (sim, aqui temos um elo com a realidade) e eu, ali, um atleta.
A direção e a montagem do sonho são bem esquisitas. Cortaram a maioria das cenas do jogo, restando apenas o momento crucial de uma penalidade direta pro gol adversário, que era defendido por uma garota montada em uma bateria de mais de dezesseis peças, dando suas pancadas na caixa, nos tons, nos pratos enquanto protestava quanto à distância que eu havia posto a bola: “mais longe, mais longe, isso aí!”. O time todo me apontava olhares de expectativa e apreensão, entre um olhar e outro querendo dizer “perde, filho-da-puta, pra você ver”, e eu começava a me preocupar se aquilo era realmente sério. Porque o gol não era feito de duas traves e uma barra, era feito nos fundos de uma garagem vazia, com uma escada velha de lado, manchas de óleo de carro na marca do pênalti e algumas ferramentas penduradas na parede oposta à parede da escada.
Quando ajeitei a bola na marca que a baterista pediu, não havia mais grama. Só terra preta, bem preta. Dei os passos necessários pra trás, calculando quantos eu usaria para a batida. Ia pegar de chapa, dando algum efeito à bola, embora acreditasse sinceramente que uma pessoa tocando bateria teria grandes dificuldades pra agarrar uma falta daquela distância, mesmo que muito mal cobrada. Porra, você devia ter visto como eu peguei na bola. Foi uma parábola louca, fez uma curva tão alucinada que me arrancou uma lágrima, viajou em mil rotações, que trajetória! Percebi que os caras do time ficaram admirados, ao meu redor. O outro time virou saponáceo em pó para pisos rudes. Pensei, “boa, garoto!”. Mas brotou do chão uma mesa de pingue-pongue e a bola morreu na rede. Da mesa, é claro. Aí armou-se uma confusão pra validar o gol, visto que a mesa não deveria ter aparecido assim. Se fosse pra servir de zagueiro, que já estivesse lá antes, bem antes, que tivesse evitado a penalidade inclusive. Sei que eu acordei antes da resolução do impasse, uma mulher ligou pra cá achando que era o número de um banco e eu bati palmas para que a doida na linha dançasse. Enfim, mas isso aí já é assunto de outro post.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Bibliotecário

Eis aqui, as minhas vértebras.


Você já foi à uma biblioteca? Já quis ser sócio de uma e ter acesso à um maravilhoso acervo de livros que expandirão sua consciência, numa viagem de bilhete único pelo mundo de qualquer coisa? Sim?

“I, I , I , I , I... feel the wind blows... Well, YOU CAN sindicate ANY boat you row! I told you so!!!"

A introdução tem três acordes que se chamam e completam como numa cadeia de carbonos (eca), tendo como moto contínuo a batera de Mr. Starkey, cada pratada é o início de um novo ciclo e assim por diante até chegar a voz sobre um bem montado “lá” com suas nonas e quartas, e chama um F#m e daí por diante, sem nada que se preveja. Esse encontro de acordes Tônica – VI grau é alucinante demais pra mim. Eu podia fazer uma lista infindável de músicas em que isso acontece, mas não dá porque o número de músicas que conheço é finito e porque também não vou fazer lista porcaria nenhuma, já temos uma lista aqui embaixo.

Unirio, Urca, 12/09/2006

- Bom dia, trouxe a documentação pra fazer a carteirinha da biblioteca,
- Bom dia. Você trouxe tudo exatamente como está na lista?
- Sim, tá tudo aqui.
- Deixa eu ver... tá carimbado e assinado esse histórico? Ah, sim. Você vai pegar algum livro?
- (Não, eu vim fazer a carteirinha porque quero ter desconto nas Casas Sendas) Sim, mas não agora, vou olhar com calma primeiro.
- Vai lá buscar o livro que a gente faz logo a carteirinha e a saída do livro de uma vez.
- Não, se você quiser eu deixo a documentação aqui, escolho o livro e depois volto.
- Tá bom... Aaaaaaahh, não, não! Vou fazer logo essa carteirinha.AAAAAh, você faz História! (Disse isso como se eu praticasse masturbação terapêutica em público, em frente à um lar de idosos)
- É.
- Hum! Vejo aqui que você entrou em 2003. Por que está fazendo a carteirinha só agora?
- (Porque eu não sabia ler... fui alfabetizado somente neste ano de 2006, seu biltre...)Porque a matrícula aqui esteve trancada por muito tempo...
- Ah tá... (com desconfiança de que eu pudesse ser um estudante-bomba – o que não deixa de ser verdade, no meu caso) Então tá, pode ver os livros que você quiser...

Segui para o corredor dos livros de música, que já folheara algumas vezes naquela biblioteca.

- Olha!!!!!!!!!!!!!!!, gritou o sujeito, cheio das exclamações, realmente.
- Sim?
- Os livros de História estão ali naquele lado... e tem alguns no carrinho também...
- Obrigado, eu estou procurando aqui no corredor de música mesmo.
- Ahhmmm... , disse o sujeito, digerindo mal minha resposta.

Achei 2 livros bacanas e segui para o balcão.

- Você tem certeza que pode pegar estes livros? (Não, não sei se agüentarei o peso deles... me empresta um braço biônico, por favor?) Tenho.
- Hum... 19 de setembro, traga eles de volta... Estudante de História pegando livro de música... tá satisfeito com a História não, rapaz?
- (To mais satisfeitro com a História do que você com a sua mulher, biltre!) Tô sim... mas leio outras coisas além da História também... (Monogamia temática nas leituras, esse é o meu ídolo! Dá um beijo na bunda do Hobsbawn, canalha.)
- Pois sim... parece-me um conflito existencial... História e Música...
- (Ok, Lacan, passa a régua) Dia 19 que é pra trazer né? Um abraço!

E eu ainda devolvi os livros. Que merda.

domingo, 27 de setembro de 2009

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Pterodactilografia

Gosto de manhã. Um ser cheio de musicalidade que usa as palavras com distinta doçura e objetividade, o que a faz falar de si como se falasse do mundo todo junto. A apresentação fica ao lado e é seu trailer perfeito. Ela é um filme. Vários filmes dentro do mesmo. Letras de Beterraba e "Sleep Walk". Ou até mesmo a "Ne me quitte pas" que ficou pelo caminho. Ela é um mistério, e mesmo assim, nunca se viu nada tão cristalino. Madrugada e café. Lua e estrela. Ela se anuncia com o Mi menor, mas não há nada mais Lá maior do que ela. Ela é uma harmonia de quatro acordes. A F#m D E. Nem Junky nem Lonesome Traveler. Onde está o Rubem Fonseca nesse instante?

= =

Há dissonâncias demais, desencontros, desvios, desníveis, desasossegos, dislexia dos passos, John dos Passos, Senhor dos Passos e o cara que comprava os discos por uma ninharia, como fez com o Beatles for Sale que deixei lá mas que substituí por quinze pratas meses atrás. Há cálculos por fazer, renegocioação de expectativas, esperanças submersas bem longe do Pacífico, há tanto por pagar e tanto por agradecer, tanto por chorar, por duvidar, por arrepender. Ti-Jean, que tanto me marcaste com suas palavras, a década de 70 não te viu como não viu ao J. H., o maior guitarrista de todos, salve, assim como os Beatles ficaram pelo caminho não pela filha do banqueiro de Tóquio, mas pelos egos monstruosos que faziam sombras monumentais sobre os quatro moleques que dormiam amontoados em beliches de ferro em Hamburgo, exaustos mas rumo ao topo, Johnny.
= =

Não consigo relacionar as palavras-chave. Perco chaves. Episódios. Aulas. Tempo. Risos. Paciência. "A tristeza é um bichinho que parrueta sozinho. E como rói a bandida. Parece rato em queijo parmesão". É por aí. Não. É exatamente aí. Anoto os sonhos. Marco os bumbos no ônibus. "You only live once". Acerto todos. As ruas não me olham. Joguei as chaves pro alto e caíram na coluna e perdi os tênis tentando tirá-las de lá, o que ganhei foram meias molhadas e uma bronca do dono do bar pelo atraso pra levar o gás.

= =

Preciso começar de algum ponto.

Moedas.

Saudade.

Adeus nada, eu acabei de chegar.

E eu sempre estou indo pra algum lugar.

Blue Velvet. In dreams.

Nove de Março, Avenida Londres, Meia Um Meia, às Cinco e Meia.

= =

Parte disso foi dito em "Amor Supremo Coltrane Futebol Clube". Palavras de acrílico justapostas, datilografadas no ar, o papel não é ferido. Eu ia pro banheiro pra jogar conco minutos fora, umas quatro vezes por dia, porque aquilo lá era bem chato. Havia a mulher fumando na janela. Havia a hora do estica-e-puxa. O ascensorista Botafoguense que sempre aceitava os biscoitos que eu oferecia. Não é nostalgia. É fotografia. Recorte. Ayahuasca em pó solúvel, rende cinco litros. Sobretudo, humano. Pra onde se aponta há rastro do pensamento de alguém. Você não foi o primeiro. "No caso do Haiti, foi pela reescravização, não?". Só eu salvei esta frase. Grande coisa. Preciso ver Angel's Flight. Como precisava ver o Dakota. Prefiro a desconstrução do que a demolição, embora haja o irreversível e o imponderável na mesma frase, e isso é bastante perigoso. Preciso dormir. Mais da metade de tudo que penso não sabe que eu existo. Apenas números. A propriedade da palavra escrita é subjetivamente adquirida por quem a lê. Não me culpe nem me absolva. Me agregue. Me inclua. Me seja. Me ame. Tchau.

Músicas Legais de Se Encontrar Por Aí Quando Não Se Tem Nada Daqui Para Dialogar Com Outrem, Amém.

  • Sleep Walk - Santo & Johnny
  • Mannish Boy - Muddy Waters
  • Bowl Me Over - Acid Casuals
  • Lonely Teardrops - Howard Huntsberry ou Jackie Wilson ou Huey Lewis
  • Camisa Amarela - Nara Leão
  • Preciso me encontrar - Cartola
  • In the Mood - Glenn Miller
  • There must be an angel (playing with my heart) - No Angels
  • We belong together - Ritchie Vallens
  • Meeting Place - Last Shadow Puppets

segunda-feira, 27 de julho de 2009

In Dreams

Vem a manhã
Consumir
Fatos
Fulos
Fartos
Eu.
Sumo
com o
Amanhã
que a
manhã
traz.

Uma Dylanesca

O tempo é oco
Nas veias
Do Sr. Jones
Ele não sabe o que isso é.
Indo pra Acapulco,
dobro
a rua
hirsuta
cantando
que seus olhos são
dois brilhantes no céu
pedindo
mais uma xícara de café
para a estrada.

Numa quarta-feira de 83

Disseram "vai"
e eu fui
Não
sem antes
tropeçar
na tripa
da mãe
E quase foder com tudo.
Tendo tanta
Coisa
Mais adiante pra foder.
Depois
Resta

Essa minha cara
de
Tijolo
na chuva.

Da Janela

O céu

tão
azul
que dá
na telha
pular

de cima
da telha
do
céu
azul

Frases Capturadas, Capítulo Um

Frases capturadas nas ruas do Rio de Janeiro, em demasia, e criteriosamente selecionadas pelo Júri Cherubino, em ordem sempre suspeita.

"ah, fica nessa mesmo de falsa puritana..."

"ô sandália do CARALHO que arrebenta toda hora!"

"traz o quimono sim, pô, coloca no meu armário, pode sim, pô"

"aí você tem que ver com qual supermercado o seu vale-alimentação tem convênio"

"senhor, estamos sem ar-condicionado no momento, deseja entrar mesmo assim?"

"eu não como vento, menos ainda gelado, por causa das amígdalas"

"o de sempre: três de cebola, dois de champignon e dois de gorgonzola"

"ah, faltou um? gorgonzola!"

"amiiiiiiiiiiiiiiiga, pode comer que a gentispera!!!!!!"

(ao telefone) "não quero mais, tá?! NÃO QUERO!"

"mata e seca o rato"

"mata e seca gente?"

"sei não, parceiro. acho que só funciona com rato e ratazana"

"Hamilton, chama um peême porque aquele cara quer matar alguém com chumbinho, eu ouvi tudo"

"é, eu tô com olheira mesmo, ela é insaciável, tu tá é com inveja!"

"Não, eu ainda não acabei o meu arquivo"

"Não tá pronto não, tô acabando já"

"até o final do dia? que hora isso significa?"

"caramba... claro que não está pronto, tá mal posicionado demais isso aqui!"

"PORRA, vou dar um OFFSET de 55,7 mts no olho do seu RABO, pra ver se assim eu fecho essa quadra aqui! Não enche!"

Décimo-nono, por favor

- Mas sr. Cherubino, o dia inteiro aí e só desenhou este condomínio?
Sua produção é medíocre,
Tendendo ao nulo!

- Ora, chefe. Convenha, o porvir:
Aqui há tantos e muitos mapas,
Mas ninguém sequer sabe pra onde ir;

Eu, cá, por demais me procuro
à ponto de soco em ponta de faca;
Minha produção anda no escuro
Por causa dos meus escritos escondido,
SEU BABACA!

Porto Morricone

Porto longe demais daqui.
Nem Bandini nem bandeira alguma
Envergaria o vento que vem de lá.
Despedida de papel molhado.
Tanto amor pra dar,
Todo que coubesse
Na bandeja onde os copos secam, sinceros
ao lado da pia.
Sem recibos, nem ajustes
Versos, risos, tudo que poderia caber em Long Beach, por uma semana que fosse.
Eu versus
aquela gaivota preta.
Irremediavelmente fixada
Naquele céu de mentira,
Vermelho.

Aquela nuvem realmente comeu seu cachorrinho? ou "Giulietta Morricone doesn't live here no more"

Mulher fumando na janela
Sol lavando a fachada dos prédios da Vargas.
Clarabóias e antenas papeiam papo de elevador
sobre pombos, granizo, e essas coisas.
Lembro do amanhecer laranja sem dormir.
Com os novos olhos, bobos
Todos aqueles acordes,
cancioneiro Los Hermanos
Pois é,
Oh, olhe o que você fez!
Vou embora fraturado
pelo coqueiro vermelho que me atropelou
Enquanto eu esperava,
e esperava.

Extintores Colômbia - Parte Terceira

Pó químico só deve ser usado em casos de incêndio de natureza elétrica. Em caso de inflamáveis também. Não os egos, é claro. Gás carbônico você usa quando quiser. Olha pro topo dos prédios que desfilam pela Rio Branco e se imagina limpando a vidraça de uma repartição em qualquer vigésimo-sétimo andar. Vertigem. Faltam apenas dez minutos para o final do horário de almoço. Não sinta sono, prometa. Fique feliz. Até mais ver.


Assim disseram os Extintores Colômbia. Pela vez terceira.

Lágrimas Negras, Ralas de Tanto Chorar

Tem café que parece
um punhado de lágrimas
do sofrimento grão
Caiam, lágrimas negras, ralas de tanto chorar.
Certos cafés são como mijo;
O alívio de quem produz
É o sofrimento de quem toma.

Hai-Kai Demissional

Deitei nu sobre o carpete.

Justa causa.

Mulher na porta do Edifício Olavo Bilac

A moça da blusa de chupetas
pega o metrô todos os dias.
E fuma na entrada do prédio.
Olha a aliança que aquele garoto
Da aula de reforço em física
lhe deu há seis anos e meio atrás.
O topo dos edifícios emerge nas poças
A moça da blusa de chupetas
traga, traga e traga
O sinal abre
Mendigos sonham
Eu entro no prédio.

1976

Eu e o desejo nas mãos.
E você,
na faixa quatro
Do lado "A"
Meus olhos querem fazer soar
Dourados
os trompetes de "Adlai Stevenson"
Mas
o que rola é
O trombone
de "Fica mais um pouco, amor"
Do Rubinato

Canção de um homem magro

Eu voltando pra casa. É só um filme, mais um. reprise. Eu não posso ver, em detrimento de algo muito melhor pra fazer, que é voltar pra casa pra sair de novo.
O mundo não cansa, sabemos dos danos, sabemos disso. Importante mesmo é chegar, não ir, amanteigado pelas horasm transtornando-se no vir.
Chegar é o que valida tudo. Ir é vir é um mero pragmatismo de que prefere, outrossim, caminhar.
Quem chega jamais pertence à volta. Não obstante, nunca obstante, o brinde da ida deve estar derramado ao longo do caminho tal que existe só porque houve quem chegasse, certos caminhos só dão a impressão de sempre terem estado ali quando há um olhar retrospectivo ao chegar.
Todo o resto pertence ao asfalto.
E incluo nisso as lágrimas de janela, as de bocejo e as de desejo;
Cada lágrima me custa 173 pratas e 18 centavos;
São caras por causa dessa mania de teimar no olhar.
É tudo que eu sou.
Sei da vida bem menos do que sabe qualquer Lua que me vê, mas mesmo assim, teimo em insistir;
No olhar.

Sylvia, as crianças e o Fiat

Eu vi a Sylvia Plath
Guiando, verde-musgo-poeira
Um fiat uno
Com suas
Duas crianças
No banco de trás
E um
Adesivo
dos Thundercats
Bem ao lado da placa cinzenta
E meu ônibus
que não chega.

domingo, 26 de julho de 2009

São Cristóvão

O 472 já estava ali na Figueira de Mello. Para fazer um registro mais preciso, estava há exatos alguns poucos metros do ponto onde eu desceria. Mas, ali mesmo, tudo parou. Nem um minuto e meio parados, tomou a palavra um coroa de jaqueta velha e boné surrado de uma fábrica qualquer de tintas:

"Taí, esta merda. Sinal abriu, não andou! Caminhão do caralho! Tomar no cu. Tudo parado! Eu? Eu falo mesmo. Num fode. Trabalhador. Puta merda. Fechou, abriu de novo, nada. Tá lá essa merda. Quer sacanear, né? Tomar no cu. Andou nada não. Trabalhador. Eu falo mesmo."

Eram as mesmas palavras, só rearranjadas, só alternava a ordem em que apareciam. Ele estava compondo quase uma canção desgracenta e lamuriosa, mas bem longe de ser uma nova "Construção", com seu movimento genial e inevitável à favor da gravidade.
Desci ali mesmo e olhei pros carros todos e ônibus parados. Não demorou para que eu encontrasse o causador da inércia na Figueira: um caminhão basculante que descarregava terra. Choviam notas apáticas e estridentes de todas as buzinas presentes e enfileiradas. Todo mundo dos comércios de ferragens ou borrachas ou auto-peças ao redor veio para a frente dos estabelecimentos assistir reverentemente ao imbróglio figueirense. Quis olhar pra cara do culpado, do protagonista daquela cena tensa. Lá estava o motorista, manobrando com dificuldade, mas absolutamente livre de tensão, longe de parecer intimidado ou pressionado. Demonstrava tranquilidade e até certa obstinação em finalizar a manobra. Despejou toda a terra ali na calçada. Logo, a terra sangraria barro pelas sarjetas, por causa da chuva que molhava os toldos, o viaduto cansado, os carro que logo iriam pros seus destinos e à mim, inflexivelmente.

Mp3, Amor e Pimenta

É curioso demais ver que uma música instrumental componente do disco "Yellow Submarine", cuja trilha traz as músicas executadas no longa de animação homônimo, acabou indo parar numa grande engrenagem da indústria brasileira do entretenimento, uma novela. "Pantanal", da extinta Rede Manchete. A música foi composta, orquestrada e arranjada por Sir George Martin, e era parte de uma suíte muito bacaninha do final do disco. O mais curioso de tudo é que "Pantanal" me apresentou à faixa, antes do disco. Eu não tinha muitos motivos bons para ver esta pérola da teledramaturgia nacional, além do belo festival de seios nus que muito me agradavam e que a novela fornecia abundantemente. Mas, quanto à música, nada mal estar ali. Ela entrava sempre nas belas tomadas aéreas do pantanal mato-grossense, rios, tuiuiús, canoas. Grande sacada remetê-la à contemplação, evocar a plenitude, pensamentos dourados brotando, essas coisas. Isso me faz lembrar das cenas que aparecem na minha cabeça quando ouço certas músicas. Isso tem acontecido muito com um tributo bluegrass ao Hendrix que tenho ouvido bastante. Baixo, violões, banjos, bandolins, steel guitar, gaitas. "Crosstown Traffic" bluegrass traz cenas de fugas à pé por ruas movimentadíssimas. Já a versão de "All along the watchtower" aponta mais pra uma fuga automobilística, com algum dinheiro entocado, um lance mais "Bande à Part". É como quando escutamos "The burning of the midnight lamp" com o Clapton. Há amor ali.

Piratininga Blues

Eu estava lendo sobre futebol. E o Hendrix cantava a doce e melancólica "Drifting". O Hendrix era paranóico com isso de cantar. Ele não era nenhum "The Voice", mas era uma voz bacana sim. Mesmo caso do Clapton. Bobagem, pô. E com que direito ela entra no ônibus com aquele rabo-de-cavalo nascido numa manhã fria, chuvosa e difícil de levantar, em Piratininga, e rouba minha atenção? "Circles", George Harrison. Os jornais dizem que eu não gosto do George. É tudo mentira. Não tenho tempo para você agora. Não me amole. Ela desceu no ponto da academia. A calça de ginástica estava entregando tudo, claro. A bunda singela. A bolsa de pano imitando o couro alvinegro da zebra. Sem despedidas, muito menos olhares furtivos. "You really got a hold on me", Smokey Robinson, versão dos Beatles. Robinson está vivo. Lennon não. Quem poderia supor? Muito estranho. Isto aqui foi escrito, palavra por palavra, durante as paradas do ônibus. Um detalhe curioso: quando se tem pressa, o coletivo pára até em pontos inexistentes. Quando você precisa escrever num caderno azul e necessita das paradas para impor algum ritmo na escrita, Piratininga ganha freeways infinitas de frases trêmulas. Pelo menos agora, a melodia de "Junk" empresta um tom solene à qualquer coisa que eu escreva. Puta. Viu, ficou solene. Obrigado, Paul.
Piratininga está londrina hoje. Mesmo com seus pescadores, seus bares chulé, matagais. Quando cheguei aqui, algumas dessas palmeiras ainda eram mudas. Não que hoje em dia elas falem à beça, mas pelo menos já estão bem maiores. Há muitas outras mudas. O ônibus segue mudo do lado de fora dos fones de ouvido. Fico pensando se vou ficar velho um dia.
É bom demais ver o asfalto quando Piratininga está assim. As árvores refletem borrões em tons mais escuros que os da realidade, uma aquarela concentrada e triste, algo como a tristeza que há no si menor. Por cima do asfalto, nuvens de gotículas d'água que circulam como vestes de cada roda de cada carro que passa com mais pressa que eu. Fecho a janela e volto ao jornal. "Look at me", John Lennon.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Mario Cherubino pervertindo Matisse



Desculpa, cara, eu sou um herege. Mas eu te amo.

sábado, 27 de junho de 2009

Amor Supremo Coltrane Futebol Clube

Chove copiosamente. O céu reclama uns bons estrondos luminosos. Dos quadradinhos da janela que lembram barras de chocolate, as folhas encharcadas do coqueiro do vizinho do lado, que dança com o vento que não cessa. O coqueiro dança, não o vizinho, que fique claro. Eu tomo uma mistura homogênea de café requentado e água e café solúvel. Esse bairro era uma aldeia de pescadores. Ou ainda é. Sempre tem alguém pescando na Lagoa. Sempre aparecem uns peixinhos também, de manhã. Devem aparecer de noite, claro, a questão é que não percebo. A chuva aperta. Expressão imbecil. Aperta o quê? O Jacko deixou este mundo há quase três dias. Eu escrevi algo, nada de editorial de jornal carioca. Algo sobre a interferência do Jacko sobre algo que posso escrever com certa razoável propriedade: eu. Postarei um dia desses. Hoje não. Hoje eu saí da Rua das Conchas pra ver meu Glorioso Alvinegro tomar uma surra em plena casa, no Engenho de Dentro, em nosso estádio, o Niltão. O algoz foi o Goiás. Que frase legal. “O algoz foi o Goiás”. É. O “Mulheres”, do Buko, está aberto nas páginas 88 e 89 aqui na mesa do computador. A caneca do Segundo Império denuncia rastros da bebida homogênea. Aqui é um sobrado bem legal. Até quando o vizinho de baixo e sua esposa (ela geme bonito, só nota limpa, entrecortadas com suspiros e frases de incentivo) dão uma festa como a que está acontecendo agora. Muitos decibéis. Mas eu até cantarolei algumas canções. Claro, quando a azia permitiu em documento datado e assinado e completamente ácido, que eu cantasse, ou respirasse ou qualquer outra coisa. O Monobloco canta uma bela música que chama alguns Orixás, gostei. Bem gravado também, inclusive. Segunda voz bem direitinha, nossa, vou lá embaixo tomar umas cervas às custas do casal vizinho. Camisa cinco, Leandro Guerreiro, estendida sobre a impressora. Porco de cerâmica olhando pro nada, rombo na bochecha, olho maior que o outro. Camisa do Bahia Esporte Clube sobre mim. Uma cueca verde. Meias. Que merda. Meu cabelo faz uns cachos de tão grande que está. Porra nenhuma. Tá assim tão grande não. Os coqueiros molhados ainda dançam, agora mais comedidos, agora são os caras tímidos que gostariam de ser descolados, mas o máximo que conseguem são uns passinhos redundantes de deslocamento bem reduzido. Bold as Love. Eu queria ser esse disco. Carma Instantâneo. “Não perca tempo! Leia o livro 'Universo em Desencanto'”. Rá, ouvi o Tim Maia dizer isso enquanto vinha pela Avenida Brasil junto com Augusto, Xarope e Chanadinho, metade História, metade Ciências Sociais. E todo mundo fazia uníssono: “...mas lendo apreeeendi, bom senso!”. Entramos num desvio errado, tivemos que pegar o retorno pra apontar rumo à Niterói. Dei “tchau” pro lugar onde nasci. Às margens da Brasil, mas na Londres, 616. Nasci bem pra caralho. HGB. That's not writing, that's typing”. Vá se foder, Capote. Pax Romana. Ela me manda o Maiakovski. Entorpeço. Escutar “Eu quero é ver o oco” me transporta pra 1995. A azia rói meu esôfago. E a tristeza é que é um bichinho parrueta. O mundo é o queijo parmesão. “E não me chame de filho-da-puta, eu sou ARTURO BANDINI!”. Parou de chover. Faz frio copiosamente e tem alguém chorando em algum lugar. Ou se cobrindo com papelão no cruzamento da Presidente Vargas com a Rio Branco. Ou nas marquises da Miguel Couto. Terrível a sensação de não ter pra onde ir. Onde você está?

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A encomenda

Uma Fiat Fiorino dos correios na Avenida Lobo Jr. Liga a seta indicando querer entrar na Rua Bernardo de Figueiredo, cuja esquina tem uma loja de ferramentas e uma fábrica de biscoitos ao lado. O veículo pára na residência ao lado da fábrica. A porta da direita se abre e sai um típico funcionário dos Correios de dentro, obviamente: calça azul, blusa amarela, boné azul, enfim, quase um militante tucano, se existissem militantes tucanos.
O rapaz confere na prancheta o logradouro e o número da residência. Vê o nome do destinatário que deve receber a encomenda: Pérola dos Santos. Ele toca a campainha, que ressoa um zumbido grave e rouco, como uma cigarra que fumou dois maços por dia durante cinquenta e seis anos ininterruptos.
- Pois não? - diz irrompendo pela porta da frente, a sra. Pérola, enquanto enxuga as mãos de muitas veias aparentes no pano de prato.
- É a sra. Pérola dos Santos?
- Sim...
- É esta encomenda aqui, só assinar onde tiver um xis. - dito isso, pegou a volumosa caixa dos correios e pôs aos pés da sra. Pérola.
- Mas eu não encomendei nada... que estranho, moço... - retrucou surpresa a senhora que acabara de preencher o papel com suas assinaturas, necessárias para acusar o recebimento da entrega.
- Meu serviço é somente levar as coisas de um lugar pro outro, dona. Boa tarde pra senhora.

Tomada de precavida curiosidade, ela se ajoelhou, fitou a caixa de ponta a ponta e a começou a abri-la. Lá dentro, camadas de plástico bolha, devia ser frágil. Conferiu o remetente na caixa, só agora lhe ocorrera procurar saber quem mandava aquilo, pois essa encomenda não era outra coisa senão um aquilo qualquer dentro de uma matriz de enganos cotidianos. Estava lá: "Mario Cherubino - Desconstruidor de Ditos Populares."
Franziu o cenho quando confrontou aquela informação. Acabava de ser inserida uma lacuna caótica ímpar e indivisível dentro de seu programado e previsível cronograma de atividades diárias. Não conhecia ninguém com esse nome. Nem de sequer ouvir falar. "Mario Cherubino". Ainda mais perturbada, levantou a tampa novamente e removeu o plástico bolha com cuidado ainda maior. Viu uma peça de cerâmica, arredondada. Continuou a retirada, produzindo ainda mais caos no quintal bem penteado pela piaçava da vassoura Rossi. Havia uma fenda no alto da abóbada, uma fenda pequena. Começou a identificar aquele objeto, era familiar. Possuía cinquenta centímetros de diâmetro, aproximadamente. Era um cofre. Desses de porquinho, mas enorme. Daqueles que se compra bem em frente do camelódromo da Rua Uruguaiana. Estupefata, abriu o cartãozinho que o acompanhava:

"Senhora Pérola,

Só para mostrar à senhora e ao mundo que é plenamente possível enviar porcos à pérola, com tamanha facilidade e êxito total; sendo inclusive muito mais fácil fazer isso do que o ato inverso - por sinal, um ato muito mais alardeado e disseminado pela humanidade, há séculos.


Saudações carinhosas,

Mario Cherubino"

Sentou-se de frente para a encomenda completamente desorientada e quis chorar. Não lhe desciam as lágrimas.

Tudo por um sobrado na Rua do Ouvidor

- Bom dia, sente-se, por favor.

- Sinto-me. ARRRRRAUGLER (limpando a traquéia), eu gostaria de alugar um imóvel.

- Localidade, senhor?

- Bom, você procure aí um sobrado qualquer ali pela rua do Ouvidor, perto da Bolsa de Valores, que também é perto da estação das barcas, enfim, um sobradinho bacana que não esteja caindo muito aos pedaços.

- Um minuto enquanto a consulta é feita. Café?

- Tem creme?

- Não, senhor...

- Então não quero não.

- Como quiser, senhor.

- "Como não quiser, senhor", é o que você deveria dizer, na verdade.

- Senhor, localizei uma ocorrência que parece atender às suas expectativas. Ali mesmo na Rua do Ouvidor, em cima de uma loja de ferragens.

- Ótimo, minha filha. Pode imprimir o contrato?

- Há uma pequena obstrução senhor, quanto à disponibilidade.

- Claro, pequena, imagino. O que há?

- O imóvel estará disponível daqui a três vidas, no máximo.

- Menos mal. Pode me passar a senha cármica pra eu não esquecer? Sabe como é, são três vidas...

- A senha, senhor, é BISCOITO DE POLVILHO DOCE GLOBO.

- Tinha maior não? Tá certo, vou gravá-la hoje à tarde. Boas vidas, mocinha.

- Boas vidas, senhor.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Escritos numa sexta, observado pelo bandeirante paulista implacável

Deus, hoje é sexta-feira e o que eu mais gostaria de ver, a imagem que visualizo desde as primeiras horas da manhã é essa: os ponteiros do relógio de parede, seríssimos, solenes, mortos na posição belíssima em que o maior está cravado no doze e o menor no cinco.

Eu sigo cantando baixinho, no caminho até o banheiro e na volta até meu pecê: "Mas chegou o carnaval/E ela não desfilou/Eu chorei na avenida/Eu chorei"

O café agora divide-se entre "fraco" e "forte". O "forte" tem sabor de chá. O mijo dos gatos vira-latas da Presidente Vargas eles chamam "fraco".

Sinto azia até se eu ingerir ar demais pela boca.

Tem uma frieira no meu pé esquerdo que grita quando está com sede e gargareja quando estou no banho. E se alimenta da pele entre os dedos do pé, obviamente.

O Benito di Paula é de Nova Friburgo, o Marcelo Camelo mora em Copacabana, eu nasci em Bonsucesso e nós três nunca nos esbarramos pelo centro da cidade. E creio que dificilmente combinaremos algo assim um dia.

A mulher do vigésimo andar do Delamare está fumando agora, dez e nove. Blusa branca, olhando para o fluxo que corre inclemente pela Avenida Getúlio. Acho que ela não me vê. Vou trazer um cartaz qualquer dia desses.

Visitar o Sr. Nilcom é chato quando se está com calor demais, azia demais, chocolate demais, projetos demais e, mesmo assim, nada demais.

Gostaria muito de ter gravado toda a letra de "Stuck inside with the mobile", Blonde on Blonde, 66, pra desenhar sua bonita melodia por aí. Mas só sei as duas primeiras estrofes e o refrão. Dá pra alguma coisa.

Preciso de um violão de bolso, dobrável, claro. Remunero bem os projetos viáveis. É sério. Respeito as contingências que a física impôs ao nylon e à madeira, mas é questão de desejo, tanto e somente.

Aliás, o desejo é a menor não-unidade indivisível de qualquer coisa que te leva a ter como objeto desenfreado do querer uma coisa qualquer no mundo.

Bye, Nilcom.







P.S.: Para saber mais sobre Nilcom, mande um e-mail para markthebeatle@hotmail.com , tendo no campo do assunto a palavra "NILCOM". You're a lovely audience.

Pós-aniversário ou Demissão de véspera

Em ponto qualquer
Da Buenos Aires -
sem Borges ou Cortázar -
Mãos estropiadas me alcançam
O pequeno papel
De um entregador de papéis
"BUCETÃO DE DEZ"
me diz o recorte.
Eu murmuro pesaroso:
"Oh, minha nossa..."
E penso.
Penso.
E penso.
E concluo.
Bem barato para um bucetão, não é?

Frapê de Capuccino

- Um frapuccino.
- Hã? Como?
- Frapuccino.
- Dois capuccinos?
- Não, caralho. FRAPUCCINO.
- ... !?
- Essa bosta gelada ali ó, café gelado, pô.
- Ah sim, o senhor quis dizer Frapê de Capuccino.
- Pro inferno! Não é a mesma coisa?
- Não.
- Então fodam-se o frapê, você e estes cafés de merda! Até mais.
- SENHOR!
- Sim...?
- Eu te amo.
- Então faz um desses, com caramelo por cima. Pra viagem - estendendo uma arara ruborizada de dez pratas.
- Me leva junto com você, senhor?
- Não sei... se ficar bacana, você tem chances.
- Obrigada, senhor. Seu troco - devolvendo uma tartaruga marinha completamente blue e umas pratinhas.
(Após algumas tragadas no canudo do frapê e alguns grunhidos de satisfação)
- Maravilha isso aqui, viu? Olha, Plataforma vinte e seis da Novo Rio, dez e quinze.
- Mas senhor, eu saio às dez!
- Não se atrase - disse taxativo e caminhou inexoravelmente para fora do shopping.
- Oh, senhor, eu te amo tanto... - choramingou e balbuciou, com os olhos marejados.
Eram oito e quarenta e quatro. O gerente dobrou o avental que fora deixado apressadamente sobre o freezer há alguns minutos e riscou o item "frapê de capuccino" da tabela de preços.

Avenida Londres, 616.

O Burroughs Bill matou
sem querer
sua Joan (Mrs Klapper, what a lucky one you are!)
O Dylan, que eu saiba
não matou ninguém.
O Thomas sim: ele mesmo.
Jean-Louis tornou-se Jack
Na estrada,
Pequenas e grandes cidades.
Fante casado, quatro filhos
Uma casa em "Y"
E quatro prestações atrasadas
Do seu Porsche.
Hank Buko morreu
No meu fantástico aniversário de onze anos.
E eu
neste quarto
somo
vinte e seis
e nada
é tudo o que fiz
até o momento
que passa
invariavelmente
a cada
segundo.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Extintores Colômbia - Parte Segunda

Tento chamar os extintores Colômbia, mas eles não vêm. Se eles calculassem a grandeza da importância que eles exercem em cada um destes dias, duvido que não tratassem de logo aqui estarem. Mas se não há como tê-los aqui, paciência, que seja assim mesmo, sem eles.

Meu código de barras já está bastante desbotado. Parecendo aquelas tatuagens baratas feitas com carga de caneta bic e agulha de costura. Vou pegar um formulário de solicitação de reforço de demarcação pessoal na saída. Em dois dias terei um código de barras novinho. Giulio Côrtes veio visitar-me ás dez. Falou de modo eloquente sobre Jeanne e Marco, o gladiador. Claro que eu nada disse durante todo o tempo, muito mais ganho em somente escutá-lo. Decorridos dez minutos de sua chegada, ele foi bruscamente, cuidadoso para que o relógio digital não lhe mostrasse três palitos e um zero. Eu entendi perfeitamente.

Estou à sessenta e um minutos do banho de chuva. Isso, é isso mesmo. O sol está advertido e condicionalmente proibido de vir aqui nestas bandas por enquanto (a não ser que venha desbotado como meu código de barras), por conta de um desentendimento com A Matriz. Como isso é possível? Os russos têm aquelas cápsulas de chuva, certo?! Nós também. Eles também, eu quero dizer. O banho de chuva dura uma hora e nos é permitido fazer a refeição central neste espaço de tempo, é apenas chuva, não há mal algum em comer e molhar-se. Eu tento ler jornais enquanto como, mas é uma prática que se revela tão pouco prática e cansativa, visto que a água desce aos cântaros, desigual, no pátio, e o jornal vira mingau, só pela rima.

Às duas, vamos todos para a câmara dos ais. Dispensa maiores explicações. Para que nossas juntas não apodreçam, colocam cada um de nós em um catre especial de aço, com suportes laterais, feito abas. Cada membro do corpo é bem amarrado por presilhas de couro ligadas à quatro cabos de aço bem tensionados cada um deles passando por uma grande roldana, e à cada movimento de manivela esticam-se nossos braços e pernas até o estalo característico.

Pelo menos dura apenas dez minutos.

Às três, hora do caldo sofrido. É o mais terrível do dia todo. Colocam as roupas íntimas de cada interno (creiam, cada um de nós dispõe de uma cueca e um par de meias por ano, dadas pela direção) numa grande caldeira com água fervendo. Depois de meia hora, estarão como novas. E assim obtemos nosso Caldo Sofrido. Para cada recipiente de vinte litros, um copo pequeno de essência de baunilha e vitaminas, além de muito açúcar. Sirva-se.

Dez minutos após a ingestão do caldo, vamos para as pequenas reformas. Minha seção cuida das roupas, geralmente, dos funcionários do Estado, que necessitam de acertos, arremates , remendos etc. Não aguento mais tantas linhas. E usamos uma linha mais resistente, a poli-linha. Inserimos os pontos um a um. Cadastramos cada botão. "Serviço de qualidade prestado em altas velocidade". Nosso lema na seção. E ai daquele que não produzir no mínimo quinhentos e dois pontos por dia.

Difícil mesmo é quando você chega aqui, logo após a triagem, e lhe pedem para escolher qual orelha sua será cortada. Um mecanismo muito simples de submissão. Escolhi a direita, aleatoriamente, há questões em que pensar muito à nada leva. Essa é a doutrina um do livro do embrutecimento, dado gratuitamete na primeira semana de casa. Se quiser o meu, está aqui na gaveta.

À cinco, soa a sirene. Só escuto de um lado, claro.

Eu pego minhas coisas, o casaco dobrado sobre o braço, mijo, assino o ponto e vou pra casa.

Nada como mais um dia de trabalho.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Canção à Venda ou Cantiga de Escárnio ao Cara Que Vendeu o "For Sale" por Miséria

Ali na Senhor dos Passos/Há o filhote de um Fagner com um Mayer, José/Ele compra discos usados/E/Mesmo pagando mal pacas/Me levou fácil o "For Sale"/Que eu nem estimava tanto assim/E serviu ao próprio nome com propriedade/Me custou caro, puto!//

Pombos azuis, doentes, insanos, do milho da Tiradentes/Arrulhavam em meu caminho de volta/No hotel Paris, elas cantavam, sarcasmo!, "words of love"/e doía.//

Hamleto desarmado no João Caetano, mostrando o dedo médio/O Camões abriu aquele olho maroto e disparou do Real Gabinete: "misteeeeeeeeeeeeeeeeeeeer moooooooooooooooooooooooonlight...you came to me, one summer night..."/Largo de São Francisco, moradores de rua dançam "I don't want to spoil the party"/Desembestei Ouvidor abaixo até a Bolsa//

Quase na estação das barcas, o João Sexto/Montado no cavalo com colhões de batata baroa magalômana/Sussurrou, bochechudo, "Baby's in Black"/Por entre os dentes/Alívio só no balanço da baía/Antes de ver o Assembléia Dez requebrando assustador/Dentes arreganhados de vidro e aço/"...Hold me! Hold me! I ain't got nothin' but love, babe! 8 days a week!"//

Atracado já estava/Ansiando o terminal Jango/Mas o Araribóia, voz de barítono, esfregando as mãos/Cantarolava, marcando no pé chato: "I've just seen a face, I can't forget the time or place where we just met, she's just a gir..."//

Atravessei, furioso: "SEU MERDA, ESSA É DO 'HELP'"!/Emudeceu, cruzou os braços, atarracado, fazendo beicinho/Imóvel ali, olhando a baía do Rio//

Mãos nos bolsos/Cabisbaixo/Agora vou por mim/ "I'm a loser"//

Enquanto todo mundo finalmente//

Fica em silêncio///

Estudo de ênfases porcas, Pres. Vargas, 435

Eu deveria ACORDAR
Antes que esse prédio me vestisse
Com o olhar viciado
Dessa janela CANSADA
Que me empresta este ofício triste
De NUNCA olhar para
nada.

Hai-Kai do desespero neolítico

Tanto mundo,
Que
eu
andei

só.

Esperanza y Tristessa

Qualquer coisa
Ali entre
O "Blonde on Blonde" e o "Desire"
Você é pra mim
A mulher Le-Bris
Anglo-Saxofones
Rabiscam melodias de ouro
Em festas franco-canadenses
Que rolam nos seus dentes brancos
Naqueles sorrisos
De pára-quedas;
Mas o gênio é de semáforo.
Último ato da tarde,
Cartada laranja do sol,
Fios de alta tensão
Desenhando pautas no céu,
Você é.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Bando à Parte

Artur não amava Odiléa nem um pouco,
Mas a tinha nas mãos.
Odiléa era louca por Artur.
Este, amigo de Chico,
Que, por sua vez, era (e é) louco por Odiléa.
Dona Vitória com aquela grana toda, suja.
Limpa estaria, se roubada fosse.
Odiléa tremeu, Artur lhe bateu, Chico corou.
A velha praguejou, antes de apagar:
"Odiléa! Tanto que te confiei!"
A grana sumiu.
O velho chegou.
Bang, bang.
Artur rodopiou peneirado e caiu no quintal.
Odiléa e Chico no carro esporte, fugindo.
Na estrada, a capota
Não sobe mais.
Mas eles
Não estão nem aí.

Confissões de uma estrela do rock n`roll

Olha, é mentira esse título. Sou nada estrela. Nem estou confessando nada também. É só porque certas palavras atraem mais, como "confissão" e "estrela". Que o digam os padres e os astrônomos. Sendo uma estrela do rock então, o interesse é muito maior nestas palavras.
Tenho uma banda camada Os Dezassete Arruaceiros. A grafia é essa mesmo, "dezassete", por causa do filme de Doug Phillys, "Os dezassete caminhos do desejo". E também porque somos dezessete integrantes. Eu sei, parece excessivo, desnecessário. Mas não é, acreditem. Até reduziríamos o quadro se a escaleta pudesse ser tocada junto com a gaita-de-foles.
Escrevo agora sob o calor da nossa participação em um renomado festival anual de bandas de nossa cidade, o "R de Rock". Fomos um dos quinze selecionados dentre mil e seiscentas e duas bandas. Pensamos: "Que moleza!". Seriam disputadas duas eliminatórias, distantes uma semana uma da outra. Primeiro dia, a grande noite, lá estávamos nós, (des)preparados para ser a segunda atração do evento.
O grupo "The Feck's Molly" abriu os trabalhos. Atacaram com sua "Abóboras Chocantes", um hit meia-boca capitaneado por meia dúzia de jabazinhos prudentes. Seguiram-se à essa outras duas músicas, sobre a qual não tenho muito o que falar, visto que eram todas duas também monocórdicas e monogâmicas, injuriando a nós e ao público, exceto a torcida que eles levaram numa merendeira azul do cão Snoopy.
Entramos, pois, em seguida, dezessete varas verdes de bambu amontoadas em um palco diminuto, como são quase todos os palcos em que subimos. Após aquela camuflagem do nervosismo que é a checagem dos instrumentos, saudamos o público e sacamos tres pérolas: "Bem debaixo da minha unha", "A vingança de Roque Rascunho" e "Cha-cha-cha para tu-tu-tu". Mesmo sabendo da qualidade de nossas composições, tentamos apresentar algumas macaquices ensaiadas para o júri, mas o cabo curto de meu alaúde elétrico nos atrapalhou, visto que sou o crooner e atuo bem no front, à frente das trincheiras. O microfone deu-me um choque tão violento que desintegrou alguns fiapos de meu bigode - cultivado com carinho para o show - , logo antes do solo de cítara. O camarada da tuba não estava microfonado. Os irmãos italianos das escaletas - baixo e tenor - suavam em bicas. O japonês do flugel e o ruivo da bombardina trombaram em um refrão. Jimmy Carter, da flauta, não conseguia abrir os olhos. O indiano do címbalo ria à plenos dentes pra disfarçar. Sem que percebêssemos, havia acabado. Fomos ovacionados. Pelas nossas namoradas. Descemos sob o fuzilamento dos olhares da maioria, cápsulas vazias de desconfiança e desdém cobriam todo o chão.
Os outros três grupos da noite, seguiram à risca uma mesma cartilha em comum, ao que parece. Macaquices, máscaras, fantasias, gases e vômito vertido pelas narinas., tudo para impressionar o distinto júri. Horrorshow, drugues!
Uma banda convidada e já bastante viajada e bem alimentada fez um show minimalista e conceitual no encerramento, trazendo referências dos filmes do Cassavettes, segundo disse o baterista. Ao final do show, seria divulgado o nome da fortuita banda finalista! Carnes trêmulas!
Ouvindo aqui e ali o burburinho geral, comprovamos: éramos uma banda à parte. Depois de nove minutos e quarenta e três segundos naqela correria, morreríamos rodopiantes sem a grana da Dona Vitória.
Para surpresa de todos, exceto da turma do cãozinho Snoopy, The Feck`s Molly carimbou sua ida à grande final. Urros de alegria. Abraços. Discurso. Tapinhas de congratulação. Maledicências. Estas, de nossa parte, claro. Caras de velório à caminho dos três carros mobilizados para a nossa ida e em todo percurso da volta. Mas a vida seguiu e uma vitória naquela noite talvez tivesse impedido a dissolução parcial do grupo.
O garoto ruivo da bombardina foi com um primo orelhudo para Steamboat Valley, California, para abrirem um restaurante especializado em culinária iídiche, abusando, claro, de pãezinhos e saladas;
O japonês do flugel foi parar na Ilha de Santorini por conta de uma banda que integrou, num cruzeiro e fixou residência por lá, onde vive com sua esposa e seu filho, o adorável Tchano Yamagochi;
Os dois irmãos italianos que tocavam, respectivamente, escaleta baixo e tenor, foram tentar a sorte na Sicília, aonde tinham raízes fincadas, trabalhando como figurantes na montagem de "The Godfather IV";
O indiano do címbalo retirou-se à um monastério e hoje vive desapegado da matéria e dos próprios cabelos, vivedo uma vida imersa em humildade e em devoção religiosa;
Jimmy Carter, da flauta, até hoje vai pra cama com dezenas de mulheres ao contar esse episódio em boates. O curioso é que foi assim que ele conheceu a herdeira dos negócios das famosas Sandálias Tijucanas S/A e hoje vivem felizes em Nileápolis.
Eu escrevi este artigo e em seguida o enviei para todos os oito jornais do Estado que conheço. Depois de incômodos cinco meses, a "Folha de Lourdes" entrou em contato para publicá-lo e me convidar para ser seu colunista semanal. Como o jornal circula apenas no bairro, as somas pagas são modestas. O jornal é distribuído com apoio da Padaria Central de Lourdes, sendo assim, me pagam em guloseimas e outras pequenos víveres, como torteletes e sonhos de creme, que como sempre com intensa avidez. Não é ótimo?

Bom, assim ficaram os Dezassete. Cheios de sonhos e memórias, assim como eu. As memórias eu trato de compartilhar para que sobrevivam à nós, eu e você e todo mundo.
Os sonhos eu deixo agora guardados, sempre.
Há formigas demais neste sobrado.

A Brush of Dreams

"objeto destinado ao ato de varrer"
diz, sisuda, a vassoura italiana
para que mais serve uma vassoura?
bater?
expulsar?
cavalgar?
equilibrar?
voar? (alô, Marlene!)
desfazer casamentos
Eu digo de cá, que a vassoura
serve mais
pra fabricar doze linhas, mais do que qualquer outra coisa

sábado, 6 de dezembro de 2008

Extintores Colômbia - Parte Primeira

Não se sinta um impostor, quando estiver andando ali pelo centro da cidade. Quebre os passos ali na Ouvidor e vá passar o olho por uns livros e filmes, quem sabe algumas bancas também, em último caso, a livraria que fica na Travessa - mas não esqueça de conferir a indumentária antes de empurrar a porta. Não me cometa a asneira de comprar "Eraserhead" com a grana acumulada dos almoços de uma semana inteira, VESTIDO ASSIM. Embora talvez o filme bem valha a sua fome. E essa calça sem cinto.

Vá seguindo o meio-fio, mas sem bajular qualquer linearidade, não, não, não, não, você é o grande impostor das linhas retas, das poli-linhas, das curvas e dos mapas. Pssssst. Tenha suas certezas, mas fale sempre baixo. Não adule essas putinhas.

A vasilha do sono sempre tem as paredes rachadas e estoura às 13:17 hs.

Geléia real. A manufatura da sonolência tem essa exata consistência. Aí os olhos ficam besuntados dela, merda, blergui, a retina vai sumindo, a geléia come solta pelos nervos óticos e o próximo passo é o cérebro des....li...gar.

Água na cara. No rosto. Na cara. Apenas 37% da capacidade de concentração e aproveitamento de memória. Quanto? Um litro e meio de café dopa? Na verdade, isso aqui é água quente, o café está às margens dos trilhos de Sampa. Isso de "café", em empresa, é um eufemismo, um recurso estilístico figurativo feito pra esse chá com cor de uísque se sentir bem, pra essa garrafa com um caubói decalcado e descascado em seu corpo estar aqui na bandeja em cima de um paninho, que por sua vez fica sobre uma geladeirinha cheia de marmitas sonhadoras. Algumas têm arroz azedo. Elas nunca dizem nada. Fico calado então.

sábado, 18 de outubro de 2008

Carta ao Velho Noel

Buenoéxito, 11 de dezembro de 1988.




Querido Papai Noel,



Eu sei que sou um bom garoto. No decorrer de todo esse ano que passou, o senhor pôde perceber isso. Eu sei, eu sei. Não espere que eu vá, por conta disso, acabar com uma bic inteira fazendo uma lista esferograficamente grande demais para ser lida. Não, não. Pra falar a verdade, eu ando preocupado é com o meu futuro, que depende bastante da boa vontade do senhor em atender cada item dessa pequena listinha. Nada de presentes, sim? Autorama, Castelo de Grayskull, Lego, essas merdas todas o senhor esquece. Apenas dê um jeito de me providenciar o que vou pedir, com um diferencial logístico sensacional: o senhor começa a me entregar só daqui a vinte anos.

Segue:

- pelo menos uma xícara de café expresso por dia - com o creme anexo numa outra xícara (cabe mais!), por favor.
- nacos semanais (e bem servidos) de queijo gorgonzola - sim, pode ser o Boa Nata mesmo, sem problemas.
- pães.
- assinatura de banda larga (não, eu não quero um autógrafo gigante seu) *o senhor entenderá este anacronismo tecnológico dentro de uns dez anos.
- auxílio-locadora mensal no valor de cem pratas (não, não teremos mais cruzeiros, cruzados e cruzetas)
- auxílio-livraria no valor de duzentos e cinqüenta pratas (essa bosta de trema também vai sumir, velhinho)
- algum jeito de dormir com as canelas bem esticadas

Bom, considerando que o Juquinha e o Pedrinho são os moleques mais filhos-da-puta que eu conheço e que, mesmo assim, cada um deles pediu uma Ferrari, um Pense Bem e um Genius gigantes, além de todos os jogos lançados pro Atari (se o senhor puder, me traga River Raid IV, mas pra esse ano ainda, gosto desse jogo mas não acho o cartucho em nenhuma loja!), acho que minha lista está bastante razoável, o senhor não acha?

O senhor receberá um sinal meu pra começar a me entregar os itens. Vai ser moleza. Estarei completamente duro, tomando um café de moedas contadas, desempregado (mas cheio de idéias sensacionais) e escrevendo furiosamente num caderninho azul, numa das mesas de granito redondo do Light Café enquanto pessoas com narizes de veias estouradas passam pra lá e pra cá rindo mais alto que a música dos alto-falantes do shopping lotado.

P.S.: me desculpe pelos palavrões, sinto que não conseguirei parar de usá-los daqui a vinte anos.

P.S. 2: ah, foda-se. vou falar palavrão até ficar velho que nem o senhor.

Do seu amiguinho,

Mario A. Querubino.




domingo, 12 de outubro de 2008

A Palmheart Salad does it better

Sol, claríssimo de si:

O estandarte falante

De tudo que opaco

Se torna,

Disse assim:

Aquele sonho que andava

Ao meio, metade só

De si

Um siri

De lado, consoante na vida

Dormente do trilho

Que vai

Pra qualquer lugar,

Transbordou

Siam.

sábado, 13 de setembro de 2008

A morte trágica de Dom Porcone, assistida por quem quisesse ver

- Porcone? – sussurrou o garçom, Mario Querubino, atrás do vultoso cliente.
- ...

Dom Porcone suava como se todos os seus poros mijassem sobre a blusa de botões relutantes e resistentes, criando poças assimétricas por todo o tecido, que exalava o aroma de gordura derretida por todo o perímetro porcônico.
Mario Querubino lançou. E lá se foi um prato com dobradinha, couve, feijão preto de ontem e arroz branco de agora há pouco, entre o pescoço e o colarinho. O prato fez um barulho rude na mesa do shopping, mas não quebrou, só fez um “PSIU” pra quem passava por ali e pros que estavam sentados.

- Isso é pra você parar de ser assim, seu montaréu de betume.

- Ah, filho de uma puta, garçonzinho desgraçado, eu conheço o Orlando, vou falar com ele agora, você está fodido, me acredite que está!

Dom Porcone de pé, dezenas de curiosos ao redor do Deque do Pirata, a mancha de feijão no peito, e o rabo muito bem posicionado entre as pernas, punhos cerrados, boca cerrada, olhos cerrados, calor do cerrado, o ódio queimando feito óleo.

Zune um botão, assitido por todos, até o final de sua trajetória.

Porcone parece maior.

Outro botão.

Três. Plaf-Pleigh-Plough.

Porcone inchava, aumentava suas dimensões à razões descabidas de mencionar aqui, estava já nos seus dois e setenta de altura, a largura já havia sepultado os três metros, e mais, a pele estriando-se em rasgos vermelhos, três e quarenta, o papo inchado e sem palavras, a roupa em trapos no chão, todo o shopping chocado com o inchaço crescente, quatro metros, Querubino erguendo os olhos quase até o teto para acompanhar aquele balão de pêlos se avolumar no corredor da praça de alimentação, POU.

De volta ao trabalho.

E todos sujos de merda.

sábado, 30 de agosto de 2008

Balarráus

Às vezes você sente morrer
aos poucos
num frio do cacete?
com os dedos das mãos duros
mas
mesmo assim, você puxa
a coberta
mas sabe que
fica tudo menor ainda
é quando o mundo todo
faz com que soe
como se você fosse
uma pequena balarráus
na boca de alguém

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A fantástica coleção de dias de Jack Willend!


Jack Willend segue no ônibus encarando um sol cansado de cinco e pouca da tarde, está indo fazer sua história. Ele escuta “Mannish Boy”, o Bo Diddley dizendo: “I’m a man... M-A-N”. E ele pensa, “porra, eu também sou, cara”. Não, Jack Willend não é americano. Ele vive seus dias enfileirados irregularmente em Niterói, Rio de Janeiro. Aí você me pergunta: e esse nome anglófilo? “Jack” veio dos livros que o pai lia, Willend veio do pai de seu pai de seu pai, até o primeiro Willend, cuja origem e trajetória não fazemos a menor idéia sobre. Jack tem um quarto de século já vivido e morre de medo da proximidade cada vez menor da entrada em sua terceira década. É lá que suas expectativas moram confortáveis, é pra lá que ele está indo, um pouco a cada hora, a cada semana. Mas o leme quebrou, Jack. A agulha da bússola desmagnetizou. Ele tenta propor algum acordo à si mesmo, tenta fazer o acaso de refém, tenta aparar os exageros e a forma desencadeada como se infiltraram em seus dias, que, se colocados em evidência, expoem um dia sem textura, amarelo pacas, que começa pelo meio e termina bem no comecinho de outro dia, com passeios em círculo por livros, formas, filmes, currículo, azia, água no rosto, cueca, obturação. E o tempo segue desmoronando como cartas em meio à um tufão no meio do salão do campeonato sul-americano de castelos de cartas. O diploma de Jack o espera, está lá em suas mãos, eu vejo claramente, em dezembro de dois mil e onze. Ele está de beca, entrando no auditório do clube, após terem anunciado seu nome, alguém aperta o “play” no aparelho de som e toca “Paperback Writer”, e é exatamente aí que esse instante encontra eco no refrão “melancolia-da-ida-à-faculdade” do presente, de todas estas cinco e poucas da tarde de todos os santos dias, amém. Enquanto caminha triunfante pelas tábuas enceradas e brilhantes, cercadas por olhares jubilosos e jocosos, ouve o George Harrison atacar no riff e o Paul entra contando a história de um cara que quase implora para ser lido, e aí vem uma rajada certeira de um OH, MERDA, EU DEVERIA ESTAR LONGE DAQUI! em suas bochechas de historiador de araque. Enquanto este dia não chega, vão se amontoando desordenadamente os dias amarelos, enfastiados. Já não há mais onde colocá-los. Blog, gaveta, armário, debaixo da almofada do sofá, na gaveta de verduras da geladeira, não cabe mais nada. Pelo menos, alguns de seus amigos vêm aqui visitá-lo, como Henry, Arturo, Norman, Salvatore, Dean. Mas cá pra nós, esses aí são uns babacas. Por acaso vão pendurar outro sol mais disposto às cinco e pouca da tarde, no céu do Jack? Vão comprar o pão e alguns biscoitos recheados e um vinho desses de garrafa de plástico? Claro que não! Por isso mesmo eu vejo o Jack ir e vir sem sentido algum, matar algumas aulas pra ir ao cinema e olhar nos olhos dos que passam como se fosse o maior escritor vivo pisando no solo irregular deste planeta. Vai ver que é por isso que lhe devolvem olhares empenados e obtusos. Meus amigos e amigas, Jack Willend está à deriva num oceano de possibilidades. Sem vela nem vento, sem leme, nem motor. E você, o que você faria? Jack pulou e nadou. E eu nunca mais o vi.