domingo, 26 de julho de 2009

Piratininga Blues

Eu estava lendo sobre futebol. E o Hendrix cantava a doce e melancólica "Drifting". O Hendrix era paranóico com isso de cantar. Ele não era nenhum "The Voice", mas era uma voz bacana sim. Mesmo caso do Clapton. Bobagem, pô. E com que direito ela entra no ônibus com aquele rabo-de-cavalo nascido numa manhã fria, chuvosa e difícil de levantar, em Piratininga, e rouba minha atenção? "Circles", George Harrison. Os jornais dizem que eu não gosto do George. É tudo mentira. Não tenho tempo para você agora. Não me amole. Ela desceu no ponto da academia. A calça de ginástica estava entregando tudo, claro. A bunda singela. A bolsa de pano imitando o couro alvinegro da zebra. Sem despedidas, muito menos olhares furtivos. "You really got a hold on me", Smokey Robinson, versão dos Beatles. Robinson está vivo. Lennon não. Quem poderia supor? Muito estranho. Isto aqui foi escrito, palavra por palavra, durante as paradas do ônibus. Um detalhe curioso: quando se tem pressa, o coletivo pára até em pontos inexistentes. Quando você precisa escrever num caderno azul e necessita das paradas para impor algum ritmo na escrita, Piratininga ganha freeways infinitas de frases trêmulas. Pelo menos agora, a melodia de "Junk" empresta um tom solene à qualquer coisa que eu escreva. Puta. Viu, ficou solene. Obrigado, Paul.
Piratininga está londrina hoje. Mesmo com seus pescadores, seus bares chulé, matagais. Quando cheguei aqui, algumas dessas palmeiras ainda eram mudas. Não que hoje em dia elas falem à beça, mas pelo menos já estão bem maiores. Há muitas outras mudas. O ônibus segue mudo do lado de fora dos fones de ouvido. Fico pensando se vou ficar velho um dia.
É bom demais ver o asfalto quando Piratininga está assim. As árvores refletem borrões em tons mais escuros que os da realidade, uma aquarela concentrada e triste, algo como a tristeza que há no si menor. Por cima do asfalto, nuvens de gotículas d'água que circulam como vestes de cada roda de cada carro que passa com mais pressa que eu. Fecho a janela e volto ao jornal. "Look at me", John Lennon.

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