quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Dois solitários entre milhões dos seus

- Oi. Você não estava na mesma leva que eu?
- Oi. Eu tava sim, umas duas filas antes da sua.
- Já estamos quase expirando. Algo em mente?
- Não há muito que possamos fazer nessas horas. Só esperar.

E era inflexivelmente dessa maneira. Mal tinham tempo de estabelecer uma medida que fosse de prosa e já se fazia lembrar a hora em que fatalmente sucumbiriam. E nem mesmo a raridade daquele instante tão singular emprestava dramaticidade ou melancolia à cena. Simplesmente era assim que haveria de ser, sem mais. Ainda tiveram tempo de mencionar:

- Sabe, eu pensei que realmente era o momento da Grande Jornada.
- Todos pensam que é, amigão, não fique desapontado.
- Você sabe, a certeza de ser O Escolhido é algo maravilhoso, não acha?
- Sou mais cético que você, meu chapa. Corro por fora, sempre. E deixo que os azarões otimistas demais se estrepem pelo caminho.
- É um esquema onde não há nem como guardar experiência. Sem chance além, vence o melhor, predestinado, O Escolhido, como quiser chamar. Quando partimos, só um lugar importa.
- Se ainda houvesse um jeito, um só que fosse, de saber quando não vai dar em nada, milhões poderiam se salvar. Pense nisso, milhões, cara.
- Mas não é assim que funciona, quando chegamos aqui tudo já era exatamente como é.
- Verdade. Estou sentindo muito sono. Onde estamos?
- Provavelmente em algum encanamento. Dorme, cara, é melhor assim. Também estou indo nessa.

Fechou o registro e enxugou-se. Podia ir dormir tranquilo agora.


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