terça-feira, 17 de novembro de 2009

Foi mal, Will, releva

Era um dia igual à ontem. Digo isso porque ontem foi igual à anteontem, e assim continuou regressivamente até chegar no dia em que comecei essa rotina massacrante de ir e voltar. Pensei em voltar tantas vezes. Em ir ali e não voltar mais outras muitas vezes. Nem os vinte e seis andares em queda espiral com uma cadeira que deveria estar em outro lugar. Nem a nota que ficou no balcão.

Havia uma caixa com cinco discos de vinil do Nelson Gonçalves. Eu deveria ajudar o office-boy a conseguir algum dinheiro naquilo, afinal, era eu quem circulava por entre aquelas lojas de discos velhos, obsoletos, mal-vestidos, aqueles biscoitos de piche que gritavam sons doídos quando arranhados no lugar certo.

Não ofereciam mais que cinco pratas. Uma ofensa pra ele, que esperava descolar uma bela e dengosa onça marrom naquele material fonográfico nada extinto. Fomos em duas lojas na Sete de Setembro e em outra na Senhor dos Passos. Todas possuíam ao menos três coletâneas como essa que levamos. Já na Luís de Camões, cada disco pesava uns dez quilos.

Ele me contou que seu padrasto tinha deixado os discos pra trás quando saiu de casa. Meu pai tinha essa coletânea. Todos tinham. Grana certa vendê-la. Raridade. Peso morto. Elefante preto sulcado. Cinco, na verdade.

Tomei-os dele e o convenci que eram perda de tempo. Entreguei o estojo com os elepês ao primeiro bebum que vi na escadaria do IFCS. O bebum achou ser realmente um grande presente, mesmo não aparentando ter uma vitrola que coçasse os sulcos que ressoariam barítonos sobre a vida que era um palco iluminado.

Voltamos gargalhando daquela hora de almoço perdida com uns discos que não valiam nada.

Mas o tempo cuida de mudar valores, rumos, costumes, papéis, pessoas.

Pois é. Aquela coletânea atualmente está avaliada em cerca de duzentas e cinquenta pratas.

Will, acho que o bebum não mora mais lá. Mas espero que você o encontre um dia desses.


E espero mais ainda que você nunca chegue nem perto de ler isso aqui.

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