quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Confissões de uma estrela do rock n`roll

Olha, é mentira esse título. Sou nada estrela. Nem estou confessando nada também. É só porque certas palavras atraem mais, como "confissão" e "estrela". Que o digam os padres e os astrônomos. Sendo uma estrela do rock então, o interesse é muito maior nestas palavras.
Tenho uma banda camada Os Dezassete Arruaceiros. A grafia é essa mesmo, "dezassete", por causa do filme de Doug Phillys, "Os dezassete caminhos do desejo". E também porque somos dezessete integrantes. Eu sei, parece excessivo, desnecessário. Mas não é, acreditem. Até reduziríamos o quadro se a escaleta pudesse ser tocada junto com a gaita-de-foles.
Escrevo agora sob o calor da nossa participação em um renomado festival anual de bandas de nossa cidade, o "R de Rock". Fomos um dos quinze selecionados dentre mil e seiscentas e duas bandas. Pensamos: "Que moleza!". Seriam disputadas duas eliminatórias, distantes uma semana uma da outra. Primeiro dia, a grande noite, lá estávamos nós, (des)preparados para ser a segunda atração do evento.
O grupo "The Feck's Molly" abriu os trabalhos. Atacaram com sua "Abóboras Chocantes", um hit meia-boca capitaneado por meia dúzia de jabazinhos prudentes. Seguiram-se à essa outras duas músicas, sobre a qual não tenho muito o que falar, visto que eram todas duas também monocórdicas e monogâmicas, injuriando a nós e ao público, exceto a torcida que eles levaram numa merendeira azul do cão Snoopy.
Entramos, pois, em seguida, dezessete varas verdes de bambu amontoadas em um palco diminuto, como são quase todos os palcos em que subimos. Após aquela camuflagem do nervosismo que é a checagem dos instrumentos, saudamos o público e sacamos tres pérolas: "Bem debaixo da minha unha", "A vingança de Roque Rascunho" e "Cha-cha-cha para tu-tu-tu". Mesmo sabendo da qualidade de nossas composições, tentamos apresentar algumas macaquices ensaiadas para o júri, mas o cabo curto de meu alaúde elétrico nos atrapalhou, visto que sou o crooner e atuo bem no front, à frente das trincheiras. O microfone deu-me um choque tão violento que desintegrou alguns fiapos de meu bigode - cultivado com carinho para o show - , logo antes do solo de cítara. O camarada da tuba não estava microfonado. Os irmãos italianos das escaletas - baixo e tenor - suavam em bicas. O japonês do flugel e o ruivo da bombardina trombaram em um refrão. Jimmy Carter, da flauta, não conseguia abrir os olhos. O indiano do címbalo ria à plenos dentes pra disfarçar. Sem que percebêssemos, havia acabado. Fomos ovacionados. Pelas nossas namoradas. Descemos sob o fuzilamento dos olhares da maioria, cápsulas vazias de desconfiança e desdém cobriam todo o chão.
Os outros três grupos da noite, seguiram à risca uma mesma cartilha em comum, ao que parece. Macaquices, máscaras, fantasias, gases e vômito vertido pelas narinas., tudo para impressionar o distinto júri. Horrorshow, drugues!
Uma banda convidada e já bastante viajada e bem alimentada fez um show minimalista e conceitual no encerramento, trazendo referências dos filmes do Cassavettes, segundo disse o baterista. Ao final do show, seria divulgado o nome da fortuita banda finalista! Carnes trêmulas!
Ouvindo aqui e ali o burburinho geral, comprovamos: éramos uma banda à parte. Depois de nove minutos e quarenta e três segundos naqela correria, morreríamos rodopiantes sem a grana da Dona Vitória.
Para surpresa de todos, exceto da turma do cãozinho Snoopy, The Feck`s Molly carimbou sua ida à grande final. Urros de alegria. Abraços. Discurso. Tapinhas de congratulação. Maledicências. Estas, de nossa parte, claro. Caras de velório à caminho dos três carros mobilizados para a nossa ida e em todo percurso da volta. Mas a vida seguiu e uma vitória naquela noite talvez tivesse impedido a dissolução parcial do grupo.
O garoto ruivo da bombardina foi com um primo orelhudo para Steamboat Valley, California, para abrirem um restaurante especializado em culinária iídiche, abusando, claro, de pãezinhos e saladas;
O japonês do flugel foi parar na Ilha de Santorini por conta de uma banda que integrou, num cruzeiro e fixou residência por lá, onde vive com sua esposa e seu filho, o adorável Tchano Yamagochi;
Os dois irmãos italianos que tocavam, respectivamente, escaleta baixo e tenor, foram tentar a sorte na Sicília, aonde tinham raízes fincadas, trabalhando como figurantes na montagem de "The Godfather IV";
O indiano do címbalo retirou-se à um monastério e hoje vive desapegado da matéria e dos próprios cabelos, vivedo uma vida imersa em humildade e em devoção religiosa;
Jimmy Carter, da flauta, até hoje vai pra cama com dezenas de mulheres ao contar esse episódio em boates. O curioso é que foi assim que ele conheceu a herdeira dos negócios das famosas Sandálias Tijucanas S/A e hoje vivem felizes em Nileápolis.
Eu escrevi este artigo e em seguida o enviei para todos os oito jornais do Estado que conheço. Depois de incômodos cinco meses, a "Folha de Lourdes" entrou em contato para publicá-lo e me convidar para ser seu colunista semanal. Como o jornal circula apenas no bairro, as somas pagas são modestas. O jornal é distribuído com apoio da Padaria Central de Lourdes, sendo assim, me pagam em guloseimas e outras pequenos víveres, como torteletes e sonhos de creme, que como sempre com intensa avidez. Não é ótimo?

Bom, assim ficaram os Dezassete. Cheios de sonhos e memórias, assim como eu. As memórias eu trato de compartilhar para que sobrevivam à nós, eu e você e todo mundo.
Os sonhos eu deixo agora guardados, sempre.
Há formigas demais neste sobrado.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sensacional.
Não falta parte alguma!

Felipe Magni

Anônimo disse...

Eu adorei!!! Me diverti um bom bocado.
Acho que devia ter feito como o ruivo e seu primo. hehehehe

beijao

Anônimo disse...

''po cara, eu to aqui fazendo muita salada no coloraado''
ahuahuahauha

mto bom!! demais mesmo!! me diverti lembrando de cada um hauaha