quarta-feira, 17 de junho de 2009

A encomenda

Uma Fiat Fiorino dos correios na Avenida Lobo Jr. Liga a seta indicando querer entrar na Rua Bernardo de Figueiredo, cuja esquina tem uma loja de ferramentas e uma fábrica de biscoitos ao lado. O veículo pára na residência ao lado da fábrica. A porta da direita se abre e sai um típico funcionário dos Correios de dentro, obviamente: calça azul, blusa amarela, boné azul, enfim, quase um militante tucano, se existissem militantes tucanos.
O rapaz confere na prancheta o logradouro e o número da residência. Vê o nome do destinatário que deve receber a encomenda: Pérola dos Santos. Ele toca a campainha, que ressoa um zumbido grave e rouco, como uma cigarra que fumou dois maços por dia durante cinquenta e seis anos ininterruptos.
- Pois não? - diz irrompendo pela porta da frente, a sra. Pérola, enquanto enxuga as mãos de muitas veias aparentes no pano de prato.
- É a sra. Pérola dos Santos?
- Sim...
- É esta encomenda aqui, só assinar onde tiver um xis. - dito isso, pegou a volumosa caixa dos correios e pôs aos pés da sra. Pérola.
- Mas eu não encomendei nada... que estranho, moço... - retrucou surpresa a senhora que acabara de preencher o papel com suas assinaturas, necessárias para acusar o recebimento da entrega.
- Meu serviço é somente levar as coisas de um lugar pro outro, dona. Boa tarde pra senhora.

Tomada de precavida curiosidade, ela se ajoelhou, fitou a caixa de ponta a ponta e a começou a abri-la. Lá dentro, camadas de plástico bolha, devia ser frágil. Conferiu o remetente na caixa, só agora lhe ocorrera procurar saber quem mandava aquilo, pois essa encomenda não era outra coisa senão um aquilo qualquer dentro de uma matriz de enganos cotidianos. Estava lá: "Mario Cherubino - Desconstruidor de Ditos Populares."
Franziu o cenho quando confrontou aquela informação. Acabava de ser inserida uma lacuna caótica ímpar e indivisível dentro de seu programado e previsível cronograma de atividades diárias. Não conhecia ninguém com esse nome. Nem de sequer ouvir falar. "Mario Cherubino". Ainda mais perturbada, levantou a tampa novamente e removeu o plástico bolha com cuidado ainda maior. Viu uma peça de cerâmica, arredondada. Continuou a retirada, produzindo ainda mais caos no quintal bem penteado pela piaçava da vassoura Rossi. Havia uma fenda no alto da abóbada, uma fenda pequena. Começou a identificar aquele objeto, era familiar. Possuía cinquenta centímetros de diâmetro, aproximadamente. Era um cofre. Desses de porquinho, mas enorme. Daqueles que se compra bem em frente do camelódromo da Rua Uruguaiana. Estupefata, abriu o cartãozinho que o acompanhava:

"Senhora Pérola,

Só para mostrar à senhora e ao mundo que é plenamente possível enviar porcos à pérola, com tamanha facilidade e êxito total; sendo inclusive muito mais fácil fazer isso do que o ato inverso - por sinal, um ato muito mais alardeado e disseminado pela humanidade, há séculos.


Saudações carinhosas,

Mario Cherubino"

Sentou-se de frente para a encomenda completamente desorientada e quis chorar. Não lhe desciam as lágrimas.

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