domingo, 26 de julho de 2009

São Cristóvão

O 472 já estava ali na Figueira de Mello. Para fazer um registro mais preciso, estava há exatos alguns poucos metros do ponto onde eu desceria. Mas, ali mesmo, tudo parou. Nem um minuto e meio parados, tomou a palavra um coroa de jaqueta velha e boné surrado de uma fábrica qualquer de tintas:

"Taí, esta merda. Sinal abriu, não andou! Caminhão do caralho! Tomar no cu. Tudo parado! Eu? Eu falo mesmo. Num fode. Trabalhador. Puta merda. Fechou, abriu de novo, nada. Tá lá essa merda. Quer sacanear, né? Tomar no cu. Andou nada não. Trabalhador. Eu falo mesmo."

Eram as mesmas palavras, só rearranjadas, só alternava a ordem em que apareciam. Ele estava compondo quase uma canção desgracenta e lamuriosa, mas bem longe de ser uma nova "Construção", com seu movimento genial e inevitável à favor da gravidade.
Desci ali mesmo e olhei pros carros todos e ônibus parados. Não demorou para que eu encontrasse o causador da inércia na Figueira: um caminhão basculante que descarregava terra. Choviam notas apáticas e estridentes de todas as buzinas presentes e enfileiradas. Todo mundo dos comércios de ferragens ou borrachas ou auto-peças ao redor veio para a frente dos estabelecimentos assistir reverentemente ao imbróglio figueirense. Quis olhar pra cara do culpado, do protagonista daquela cena tensa. Lá estava o motorista, manobrando com dificuldade, mas absolutamente livre de tensão, longe de parecer intimidado ou pressionado. Demonstrava tranquilidade e até certa obstinação em finalizar a manobra. Despejou toda a terra ali na calçada. Logo, a terra sangraria barro pelas sarjetas, por causa da chuva que molhava os toldos, o viaduto cansado, os carro que logo iriam pros seus destinos e à mim, inflexivelmente.

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