segunda-feira, 14 de julho de 2008

Eu ando de saco cheio do meu trabalho e essa é apenas mais uma manhã



"Um giro secreto em nós faz girar o universo/A cabeça desligada dos pés, e os pés da cabeça./ Nem se importam/Só giram, e giram" - Rumi

Bem, e aquela era mais uma manhã, como todas as manhãs são mais uma manhã, no meu caso. Claro que a vida seria outra se não fosse aquele mesmo roteiro: o longo tempo com o jornal a tiracolo, por toda a casa. A rotina é tudo que mais amo mas também é objeto de tanto ódio, por que tem de ser assim? Digo isso porque o dever, quando me chama, o faz a qualquer momento, sem trégua nem constrangimento, esteja eu doente, triste, de coração partido, mau humor ou em crise de identidade, certo é que o rotor do destino nunca para de girar, e o faz sempre bem debaixo dos meus pés.
Ao menos, com o tempo, aprendi a afiar minha percepção, e seguramente, sei quando tenho de levantar para o trabalho sem qualquer ajuda. Basta ter muita atenção e um ouvido bacana. Geralmente, eu sabia a hora porque ouvia movimentos ao longe, e as vozes iam se aproximando, SEMPRE falavam sobre mim antes de me requisitarem, por isso me orgulho em dizer que NUNCA fui pego de surpresa. Ora, eu acho até que amo meu trabalho, mas quem é que não pragueja e blasfema uma vez na vida? Ou algumas? Ora, sejamos coerentes, e coerência só se usa de si para si mesmo.
Entre as coisas que mais sinto falta, a música é o item que mais me incomoda. Não pela ausência de canções, mas pela repetitividade de algumas. Quem me dera escutar outras melodias nesta casa, acordar com o desenho bonito que faz a melodia de “Ziggy Stardust” ou chorar algumas mágoas com “It’s all over now, baby blue”, ou até mesmo tomar o café da tarde com meu amigo Artie Shaw soprando como se fosse um passarinho no outono, em cima do fio que passa pelo poste. Vocês não sabem, não sabem mesmo o que é ser torturado pela mesma melodia todos os dias. Sim, pode ser que nosso estado de espírito ajude ou atrapalhe, é claro. Mas ouvir a mesma melodia todos os dias desde o seu nascimento não é para qualquer um, meus caros. Dançá-la graciosamente já são outros quinhentos, os quais eu faço questão de pagar adiantado, passando recibo assinado. Tudo o mais que ouço e conheço é escutado ao longe. Ruídos. Nada atravessa as paredes e a porta desta casa quando ela está trancada, e acreditem, conto nos dedos de uma só mão as vezes em que ela se abre em um ano. Eles recorrem a mim quando estão tristes, enfastiados, melancólicos, ou apenas a fim de entretenimento besta ou apenas pra distrair algum vizinho novo ou uma visita esporádica, aquele negócio de quebrar o gelo, sabe?
No geral, tendo ao tédio, basta uma apresentação minha para que me conheçam completamente. E mesmo que muito me amem, uma olhada só já basta. Muita sorte minha estar vivo. Ainda que só.
Sem expectativas de encontrar alguém, ou de ser encontrado. Uma condição que não me aflige, apenas estranho saber que muitos por aí vivem em função disso, precisam de pessoas aqui e ali, e eu só preciso, se muito, de mim mesmo. Me é indiferente também a opinião alheia. Não por arrogância, mas por convicção, não há nada que eu possa fazer a respeito das más impressões que eu venha causar. É tudo definido no nascimento. Pá, pum. E sabemos que no meu caso, tudo se trata ir morrendo todo dia, até não dispor de mais nenhum movimento, de música nenhuma para dançar. Mas digo que é válido viver assim. O pouco que ofereço muitas vezes provoca boas reações nas pessoas, o que me reconforta. Ora pelas lágrimas, ora pelos sorrisinhos, pelos olhares reflexivos, até pelas caras idiotas. Muitas lembranças são evocadas pelas pessoas enquanto eu trabalho, juro por Deus. Talvez por isso mesmo eu nunca tenha jogado a toalha. Por isso mesmo o destino vai continuar girando aos meus pés. O mundo também, vai continuar girando à minha volta. Mas eu não vou sair do lugar, de jeito nenhum. E nem parar, jamais. Até que a caixinha se feche mais uma vez, pelo menos.

6 comentários:

Cela Skaba disse...

amor... esse conto é um dos mais bonitos que vc já escreveu!
e olha que vc escreve muito bem!
vc podia desenvolver mais e fazer uma história mesmo!
te amo muito meu escritor preferido!

beijos Cela

Alessandra Castro disse...

Lindo conto, retrata bem o nosso cotidiano cada vez mais corrido, cidadãos comuns nem tão normais assim. ;)

Naomi Conte disse...

qual é o seu trabalho?
qual a música que te acorda?
tem muito pano pra manga essa história, envolvente...

Alessandra Castro disse...

Vc visita meu blog soh p/ colocar um sorriso em meu rosto. ;)

Anônimo disse...

legaaaaaaaal

Anônimo disse...

legaaaaaaaal