sexta-feira, 26 de março de 2010

Capítulo 3 - Breakfast na Tia Fani

Aquele garoto era tudo para ela. Era muito dedicado nos estudos, prestava atenção em tudo à sua volta, era querido na escola pelos amiguinhos, pelas funcionárias, pelas professoras e pelas amiguinhas, com as quais ainda viria a descobrir tantas coisas novas e maravilhosas que não cabem, infelizmente, neste final de parágrafo.
Agora, falando honestamente, ele era um grande vaselina, que descobriu cedo demais como obter o que quisesse de quem quer que fosse. Acredito que ela sabia disso, mas ele era tudo pra ela mesmo assim, porque ela sua única tia, sua única parente também, sua mãe improvisada, aquela que se esticaria num abismo se o pequeno tivesse de passar, embora sorte dela não contassem muitos penhascos ali no bairro.
Fani realmente não media esforços para agradar o moleque. Sua irmã mais nova, Geni, tivera um caso com um estivador cheio de problemas com o sindicato – e que logo deixou de dar notícias – , e dera à luz na casa de Fani, que ajudou no parto e os abrigou na sala de seu modesto apartamento no Méier, logo ali na Dias da Cruz. Estamos falando da década de 1970, quando não existiam ainda os discos da Xuxa e o garoto escutava os discos – de vinil, cara – da banda favorita de Geni, o Led Zeppelin. Era uma vida bem bacana, embora modesta, que rolava no apartamento de Fani.
No dia nove de dezembro de 1980. Geni não chegou a atravessar a Dias da Cruz. Um polical militar embriagado, de serviço, acertou Geni naquela ensolarada terça-feira . Aquele bichinho parrueta chamado tristeza começaria a roer o tapete, as paredes, o teto e todo o apartamento.
Para o garoto, Geni era a amiga que aparecia no apartamento e transformava tudo em festa, colocava os discos na vitrola, tomava-o pelos braços para dançar. Os demais papéis cotidianos de mãe eram assumidos com zelo e gosto por Fani, que sequer repreendia a irmã por seus deslizes, como aparecer em casa junto com o sol, depois das madrugadas de bebedeiras e trepadas intermináveis.
Já adolescente, guardou seu luto com o silêncio e com os discos que herdara dela e, na semana mais difícil depois daquilo, estreitou contato com um elemento que transformaria sua vida de modo completamente technicolor: a televisão.

2 comentários:

Unknown disse...

cara, adorei a referencia aos discos de vinil do Led!!! mto bom!
vai ter continuacao neh?

K & Cia. disse...

Delícia!