segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Fila de banco

Fila do banco. Sem senhas para atendimento. Segurança plantado feito coqueiro de praia examinando os assaltantes em potencial na fila. Mal sabe ele da Uzi novinha, em fibra de carbono, desmontável, que trago na mochila. Mentira, trago nada. Fica sempre em casa. Minha vez.

- Boa tarde. Tudo bom?
- Tudo. Pois não?
- Meu salário. Não consigo pegá-lo.
- Mas por quê? Se o seu cartão magnético estiver ruim, o senhor deve se dirigir à sua agência para solicitar outro.
- Eu não sei dirigir. Eu não tenho agência. Quero o meu salário, só isso.
- Senhor, estou lhe explicando (impaciente) que se o problema for (enfática) no seu cartão magnético (abrandou), o senhor deve ir à agência onde abriu a conta.
- Bom, é melhor que você tente, estou me sentindo diante daquelas máquinas que têm uma garra metálica de pegar bichos de pelúcia, sabe? Tenta você pegar pra mim. O salário. Olha o cartão aqui, ó. - estendi-lhe o cartão.

Pausa pra ela verificar minha conta, minha foto, meu orkut, meu twitter, o que ela quiser. Tenho um blog também, moça. Ah, isso ela não ouviu. Droga.

- Senhor, seu saldo no momento é de quinze centavos (riso contido, muito mal contido).
- Viu só? Nada de salário.
- Senhor, verifique com o departamento pessoal de sua empresa.
- Não tem empresa. Nem departamento. Só eu.
- Próximo!

Sob protestos violentos de toda a fila atrás de mim, eu retomava. Mas agora fui com tudo, procurei uma única frase que expurgasse tudo de Randle McMurphy, Stan Kowalski, Jack Gites, Jack Torrance e até algum pouquíssimo Terry Malloy que havia em minha alma.

- PRETENDO SAIR DAQUI COM O MEU SALÁRIO, ENTENDEU, MOCINHA?

Ela pareceu ter sentido a frase para muito além daquelas palavras. Tirou o óculos, me encarou firme e gritou “tô saindo pro almoço” sem tirar os olhos de mim e pulou o balcão do guichê três. Me puxou pelo antebraço e me levou até a porta giratória, por onde passou primeiro e me esperou passar, atentamente. Lá fora, sinalizou com a cabeça para que eu entrasse em um Fiat Uno 1998 vinho, duas portas, IPVA atrasado, revisão ok e estofado encardido. Assim que pus o cinto, ela deu a partida.
E fomos embora. Sigo sem saber pra onde ela me leva. Tudo vai sumindo no retrovisor: trevo, estrada, rua, alameda, ponte, estrada de novo, céu, ilha, prédio, ladrões, bicicletas. Eu estava com trezentas e setenta e oito pratas em moedas guardadas na minha mochila, e a vida mal começara a rodar de verdade. A gente estava na Dutra quando tocou “I get around” no rádio. Em seguida, Santo & Johnny, fantástico. Nunca antes havia sido tão bom viver.

Um comentário:

Natalia disse...

fazia tempo que não lia coisa boa. gostei. parabéns.