domingo, 29 de novembro de 2009

Caricatura

Eu estava lá para ver o Nilcom, novamente. Pela terceira vez, se me falhar a conta alguém vai me avisar, eu acho. Muita gente ia ver o Nilcom, motivo pelo qual eu ainda ia esperar mais algumas quatro ou cinco revistas sobre gente famosa, todas com pelo menos um ano de delay em relação aos últimos acontecimentos. Quanto casamentos cabem em trezentos e poucos dias? Se você for o Márvio Júnior, uns três pelo menos. A secretária do Nilcom era bacana. Olhava torto pra todo mundo, mas era próprio da feição dela isso aí de olhar torto. Há quem ache charmoso, eu não acho absolutamente nada. Reconferi mentalmente se havia levado tudo que era preciso para a audiência com o Nilcom: dois contos, uma poesia, uma caricatura maledicente e um pedaço de queijo curado.
Um parênteses sobre caricatura.Na oitava série, chegou na turma um garoto vindo de São Paulo. Para se inserir entre os demais, era preciso ser completamente obcecado por futebol, saber as escalações médias dos times da primeira divisão do nacional e, principalmente, demonstrar desenvoltura nas peladas, isso sim diria qual era sua posição na hierarquia daquele bando. O paulista era corinthiano e demostrava bons conhecimentos sobre o jogo. Eu sabia muitas escalações, mas desperdiçara muitas chances de ascender socialmente na turma, ou seja, era um pereba. Em suma, depois da caricatura do professor Kropf, todo mundo me requisitava um desenho maledicente. E eu resolvi atender quando me encomendaram um do paulista. Fiz umas orelhas ignorantemente exageradas e concluí com a pinta que ele tinha no nariz. Parecia um rastilho de pólvora. Uma gargalhada puxando a outra, foi amontoando gente. Senti uma pontada na tripa quando o próprio retratado foi tomar parte na aglomeração. "Que é isso aê, meu?". Ele pegou o papel e lá estava, um paulista olhando pro outro, não sei dizer qual dos dois ficou mais puto. O paulista real ficou mais vermelho, isso é verdade. Não faltou quem apontasse o autor do cartum, vários dedos em riste, dizendo "foi ele ali, ó" pra mim.
O paulista me encarou, forçando bastante o lábio superior pra cima, como se com o queixo esticado ele dissesse "vou arrebentar sua cara, que aí você fica sem desenhar as orelhas dos outros desse tamanho por um bom tempo". Comecei a calcular, instantaneamente, a eminência de um confronto pós-aula. Ele era bem franzino, mas tão alto quanto eu, e tínhamos as mesmas proporções fisicamente. Mas a motivação dele pra me arrebentar era maior que a minha para dar uns socos nele. Muito maior. Maior que as orelhas dele, inclusive.
"E aí, paulista?", "Vai deixar barato?", "Quebra ele!". Era muito apropriado que ele ficasse com vontade de bater em alguém com tanta gente estimulando seus instintos vis. Era muito apropriado também que eu não apanhasse do novato, já que não era tecnicamente um craque da bola e seria parte da ralé da ralé dos perebas se perdesse uma briga. Mas o paulista me deu uma rasteira da qual eu sequer conseguiria prever ou me defender. Ele encarou o papel novamente, expressão cerrada ainda e, num pedaço pequeno de instante, serenou-se e me encarou como se eu fosse tão corintiano e paulista como ele e me disse: "Eu perdôo ele. Ficou parecido".
Seria melhor se tivesse me dado um soco na cara, assim eu poderia me defender à altura. Quis mastigar o desenho. Diminuí tanto que não conseguiria escalar o rodapé da sala sem uma corda.
Quando me libertei dessa digressão, desse pensamento parênteses, o próprio Nilcom se dirigia à mim, dizendo com sua austera calma: "pode ir se mandando, terminamos por hoje". Antes que eu pensasse em protestar, já estava no elevador. Quando a porta se abriu uns 3 andares abaixo, adivinha quem entrou, inexorável, na cabine?
Ninguém. O corredor estava vazio.

Um comentário:

Klotz disse...

Sei apenas que se vc me desenhar com nariz grande, beiço enorme ou orelhudo não vou perdoar. Nem se ficar parecido.

Pode desenhar bilau grande.hahahaha